Cinema

'Liga da Justiça' se alicerça na química do grupo

O filme é melhor do que 'Batman vs Superman', mas pior do que 'Mulher-maravilha',

Por Daniel Oliveira
Publicado em 16 de novembro de 2017 | 03:00
 
 
Warner/divulgação

Com o fim dos Beatles após a saída de John Lennon, uma pergunta que nunca será respondida é se o grupo funcionaria e continuaria tão bom sem ele. Por mais que essa possibilidade não possa ser hipoteticamente descartada, o consenso talvez seja de que a resposta é não. E esse dogma de que não existe Beatles sem Lennon é, de certa forma, o maior problema do “Liga da Justiça” que estreia nesta quinta (16).

Não que o grupo de super-heróis da DC se compare à melhor banda de todos os tempos. Mas não há como negar que o longa seja bem melhor que o esquizofrênico “Batman vs Superman”. Pelo menos até interromper o que está funcionando para tapar um buraco que não existe.

A trama tem início após a morte de Superman, com a chegada na Terra do Lobo da Estepe (sim, Steppenwolf, como a banda, vivido por Ciarán Hinds), um deus que deseja destruir o planeta blábláblá. Para isso, ele precisa reunir as três “caixas maternas” que foram deixadas, respectivamente, com as amazonas, os guerreiros de Atlantis e os humanos. E para combatê-lo, Bruce Wayne (Ben Affleck) e Diana (Gal Gadot) recrutam Barry Allen (Ezra Miller), Victor Stone (Ray Fisher) e Arthur Curry (Jason Momoa) – ou Flash, Cyborg e Aquaman – formando a patota do título.

Essa quantidade e diversidade de heróis faz “Liga da Justiça” começar bem desconjuntado. Cada sequência introduzindo um deles parece pertencer a um filme diferente, com o humor do Flash completamente fora de sincronia com a ação sisuda do Batman; e as amazonas – para além do novo uniforme sexista – bem menos empoderadas e deslocadas sem a direção de Patty Jenkins.

No entanto, quando os cinco protagonistas se juntam em ação pela primeira vez, o longa diz a que veio. Com esse título, “Liga da Justiça” promete uma única coisa, e isso ele entrega: o grupo de heróis tem química e – ao contrário dos Vingadores, que gastam 90% do tempo juntos no modo “bate-boca autoafirmativo de macho alfa” – funcionam bem em equipe. Diferente do time da Marvel, que só parece se reunir para ver quem mija mais longe, a trupe da DC realmente aparenta gostar um do outro – e ter aprendido a lição de “Mulher-Maravilha”: heróis existem para fazer o bem, e não para explodir o mundo enquanto fazem piadinhas.

“Liga” é um filme sobre a importância de sair de nossas caixas – literais ou não – e superar as resistências mútuas em nome da responsabilidade por um mundo melhor. E o maior problema do longa vem exatamente de uma dessas caixas, quando os heróis se desviam de seu objetivo para tomar uma decisão que a trama até ali não justifica o suficiente e que toma um enorme tempo da produção.

O grupo resolve buscar uma ajuda de que eles, e o filme, não precisam. E as cenas resultantes só ressaltam o pior defeito do cineasta Zack Snyder – sua péssima direção de atores – além de incluir os diálogos mais vergonhosos do longa. O roteiro de “Liga” não é Shakespeare, mas é bem menos caótico e sem sentido que o de “Batman vs Superman” – ainda que não consiga vender esse peixe (que não é o Aquaman), para além do consenso de que não existe Beatles sem Lennon.

Ainda que mais contidos que de costume, os vícios de Snyder também aparecem no humor (bem intencionado, mas fraco) do Flash – e no fato de que o herói, assim como as cenas submersas do Aquaman, representam seu sonho dourado: uma desculpa narrativa para muitas cenas em câmera lenta. O alívio cômico de Barry Allen só não é pior porque, mesmo gritando por um roteiro e um diretor melhores, Ezra Miller é um ator carismático e com bom timing – assim como Jason Momoa, que mostra a Henry Cavill que é possível ser pornograficamente bonito e um ator minimamente decente ao mesmo tempo.

Affleck continua interpretando seu Batman como se sua alma estivesse lentamente morrendo por dentro. Então, recém-advinda do melhor filme do universo DC, Gal Gadot não precisa fazer muito para que sua Mulher-Maravilha seja a MVP do longa. Sua boa presença compensa pelo desperdício de Amy Adams em cenas absolutamente desnecessárias e em um off final que tenta forçar uma conexão inexistente entre “Liga” e os EUA pós-Trump.

A mão de Joss Whedon – que assumiu o filme após Snyder precisar se afastar por motivos familiares – pode ser sentida na sequência de ação final, mais contida e menos caótica que de costume. E também na duração enxuta de 2h – mas não em muito mais que isso. Para o bem e para o mal, “Liga da Justiça” é um filme-síntese da visão de Zack Snyder – e um sinal de que, para que esses heróis deem um passo além do “bonitinho, mas ordinário”, é preciso que ele os liberte para outros diretores. Similar ao que Lennon fez no final dos Beatles.