Incentivo

Lugar ao sol em meio a seleções burocráticas 

Editais artísticos na capital e no Estado buscam novas formas de abordagem diante do crescimento da cena

Por LUCAS SIMÕES
Publicado em 01 de maio de 2016 | 03:00
 
 
Exterior. Ano passado, a banda Zimun fez uma residência artística de oito dias em Lisboa através do Música Minas

Só de pensar nos documentos, prazos e, pior, o método nem sempre ideal de seleção de artistas nos editais de cultura, muitos talentos deixam de concorrer a uma oportunidade – ou acabam não selecionados por deixar de atender a critérios muitas vezes subjetivos. Por outro lado, os mesmos processos burocráticos dos editais também podem servir de vitrines impulsionadoras de carreiras. Tentando diminuir o abismo que os editais carregam diante às expressões artísticas diversas, alguns processos na capital mineira e no Estado tentam se adaptar para fisgar novos talentos.

Essa é uma adaptação ligada intimamente a novas expressões que começaram a dar visibilidade para artes antes marginalizadas ou silenciadas nos processos seletivos. Assim fez a Revirada Cultural, que reúne os não acolhidos pelo edital da Virada Cultural em um evento paralelo ao oficial – na maioria artistas periféricos. Também é o caso do Erro99, coletivo fotográfico que organiza uma série de ações, cursos e workshops fotográficos frente à carência de galerias e espaços para acolher fotógrafos.

Fotografia. Diante disso, uma das principais novidades em Belo Horizonte é a inclusão da fotografia no edital de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado (FCS). Apesar do estímulo, no primeiro processo seletivo, feito entre dezembro e janeiro deste ano, curiosamente nenhum mineiro foi contemplado, sendo selecionados a carioca Luiza Baldan, com a exposição “Entre Lugares”, e o gaúcho Nelton Pellenz, com o projeto “Abertura para o Incerto”.

A gerente de Artes Visuais da FCS, Uiara Azevedo, diz que a ideia é abranger todo o Brasil, mas principalmente levar o público à galeria Câmera Sete, na Casa de Fotografia de Minas Gerais, onde as exposições acontecem. “Recebemos propostas de fotógrafos do Rio Grande do Sul, São Paulo, Recife. Nossa proposta é, mais do que selecionar apenas mineiros, fazer com que o público explore esse espaço de fotografia no coração da cidade, se interesse pela arte”, diz Uiara.

Também com a intenção de inovar, o projeto Sesc Fomenta Cultura, que teve inscrições encerradas ontem, resolveu mudar seu método de peneirar artistas daqui para frente. Antes trabalhando apenas com a curadoria interna de agentes e especialistas da cultura, neste ano, pela primeira vez, o projeto abriu ao formato de chamamento público – termo usado pela entidade para se referir ao processos de edital. O gerente de ações culturais do Sesc-MG, Jorge Cabrera, diz que até o Minas ao Luar, que há 21 anos está na estrada, pretende encontrar jovens seresteiros e grupos de chorinho.

“Antes, era uma curadoria fechada, dialogando com uma comunidade de artistas. Agora, a partir das inscrições espontâneas, vamos descobrir talentos e chamá-los para discutir o projeto juntos. Era uma vontade antiga do Waldir Silva. A seleção não garante a contratação e o financiamento. Só depois de uma conversa pessoal isso será feito”, diz Cabrera, que preferiu não citar o montante de investimentos para o programa neste ano, que contempla, além do Minas Ao Luar, o CineSesc, a Mostra de Artes Visuais, o Causo e Violas das Gerais, o Chorinho e Samba na Praça e o projeto Contação de Histórias.

Cinema. Ainda que não se enquadre dentro dos editais, o projeto Traga Seu Filme, do Cine Humberto Mauro, nasceu no final de março justamente para acabar com a dubiedade das seleções artísticas presente nos editais. Na primeira semana, foram 30 filmes inscritos. “Não tem regra nenhuma. É só mandar seu filme. Privilegiamos divulgar a arte mineira, mas está aberto a todo o Brasil. Estamos descobrindo produções interessantíssimas de Contagem, do interior mineiro, que nunca estariam nos editais – mas que podem ser ponte para que estejam futuramente. Ontem (na última quarta-feira) tivemos uma sessão para 129 pessoas, mas estava tão lotado que trouxemos mais cadeiras e aumentamos para 140”, explica Felipe.

Para artistas que ainda estão em começo de carreira, as iniciativas parecem estar tentando se afinar aos seus interesses. Depois de tentar seis vezes inscrições nas Leis Municipal e Estadual de Incentivo, além de programas como Música Minas, o violonista Marcelo Cabral, 48, de Três Corações, no Sul de Minas, espera mudanças mais drásticas. “É bom ver instituições se movimentando para ampliar o acesso aos editais. Porque a gente fica sem saber porque foi recusado, se está tudo de acordo com o projeto e os documentos. É só uma questão de peneira curatorial?”, questiona o músico.

Iniciantes. Mas, ainda que a passos lentos, há artistas iniciantes que começaram a se beneficiar dos editais – mesmo imaginando que isso nunca aconteceria. É o caso Cássio Pereira dos Santos, mineiro de Cruzeiro da Fortaleza. Em sua primeira inscrição em editais, ele foi selecionado pelo Filme Minas para produzir o longa “Mariana não Vai à Praia”, que rodou por 50 festivais e venceu 20 prêmios ao contar a jornada de uma menina com síndrome de down para conhecer o litoral – incluindo melhor curta de ficção do Festival Internacional de Cinema Infantil de Taiwan (2016) e melhor curta live-action no Festival Internacional de Cinema Infantil de Nova York (2015).

“O que eu queria com o edital era treinar um roteiro. Nunca imaginei que selecionariam um novato, sem portfólio para mostrar, ainda mais no cinema. É raríssimo acontecer, mas poderia ser mais frequente”, diz Cássio, que agora prepara outros dois filmes na recém-fundada produtora Campo Cerrado, em Uberlândia, onde mora.

“O primeiro dispositivo para mudar é a representatividade”

Maior evento artístico de Belo Horizonte, a Virada Cultural teve um aumento de 22% nas inscrições deste ano em relação ao ano passado. O boom revela não somente a demanda cada vez maior da cena artística por espaço, mas também uma nova forma de tratar a política cultural da cidade por meio de editais.

O presidente da Fundação Municipal de Cultura, Leônidas José de Oliveira, diz que o crescimento trouxe a necessidade da tão aguardada reformulação da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, datada de 1993, portanto há 23 anos sem revisão. Atualmente, a Câmera dos Vereadores discute a proposta que, entre outras mudanças, quer que os editais tenham curadoria do Conselho Municipal de Cultura – formado por agentes públicos e membros da sociedade civil.

Além disso, Leônidas acredita que a lei também possa setorizar os investimentos, destinando verbas específicas para cada área artística, como dança, música e cinema. “É importante que esse projeto tome forma e possa entrar em funcionamento já no ano que vem. É o que queremos. Porque a sociedade estará mais perto dos processos de seleção dos editais, vai poder apontar talentos, projetos, cenas, pessoas. E é tudo o que queremos para BH. Uma curadoria cada vez melhor dos editais de cultura de toda a cidade. E agora com investimentos divididos para cada área, de acordo com a necessidade delas”, diz.

Apesar da proposta, o produtor cultural, DJ e ativista do movimento negro Du Pente, que também é um dos articuladores da Revirada Cultural e candidato ao Conselho Municipal de Cultura, tangencia outras necessidades para que os editais possam cumprir um papel mais justo. Segundo ele, é preciso haver representatividade no Conselho Municipal, hoje composto por 30 membros, sendo 15 do poder público e outros 15 da sociedade civil, sendo que apenas seis destes últimos estão envolvidos na área cultural.

“Mesmo com todos os editais de Belo Horizonte, a política cultural foi centralizada em centros culturais. O Barreiro, uma região de 500 mil habitantes, tem um centro cultural – e que deve servir toda a população. Na primeira Virada Cultural, não existia a possibilidade do funk se manifestar, e um MC se inscrever. O primeiro dispositivo para mudar é a representatividade. Precisa haver uma proporcionalidade maior dos atores da sociedade civil, produtores artísticos das periferias, que hoje em dia se deslocam para o centro para produzir e acessar arte”, diz Du Pente.

Veja os editais artísticos em aberto

Galerias do Centro Cultural da UFMG. Seleciona artistas plásticos e visuais, brasileiros ou estrangeiros, a serem contemplados na programação de 2017. Todas as exposições aprovadas terão acompanhamento completo do Centro Cultural UFMG, desde o momento de seleção das obras até a produção de material explicativo impresso. As inscrições podem ser feitas até o dia 6 de maio.

48º Festival de Inverno da UFMG. Recebe propostas de apresentações nas áreas de teatro, dança, circo, performance, música, arte multimídia e práticas da tradição, que estejam alinhadas com o tema “Territórios Culturais de Trânsito”. Inscrições até 18 de maio.

Circula Minas. São R$ 300 mil destinados a todos os segmentos da cultura, exceto música, que possui edital próprio, segundo a SEC. Podem se inscrever artistas, estudiosos da cultura, técnicos, agentes culturais, mestres e mestras dos saberes e fazeres populares com residência permanente em Minas Gerais. O edital selecionará projetos de intercâmbio artísticos, com viagens no Brasil e exterior, previstas para acontecer entre 16 de maio e 31 de dezembro de 2016. As inscrições vão até 23 de setembro.

Música Minas. Com R$ 700 mil de investimento, seleciona músicos com trabalho para realizar shows internacionais. É necessário ter ao menos um ano de vivência no meio musical. As inscrições vão até 31 de dezembro.

9º Prêmio Governador de Minas Gerais de Literatura. Serão distribuídos R$ 258 mil para as categorias conjunto da obra, poesia, ficção e jovem escritor mineiro. As inscrições vão até 30 de maio.

3º Prêmio BDMG Cultural / FCS de Estímulo ao Curta-Metragem de Baixo Orçamento. Estimula diretores e produtores de cinema mineiros ou que morem no Estado há pelo menos dois anos. São duas categorias: “Estreante”, voltada para projetos de curta-metragem de diretores iniciantes, com premiação de R$ 15 mil para o vencedor, e “Não Estreante”, que contempla diretores com três ou mais obras cinematográficas lançadas. Nesta categoria, dois vencedores recebem R$ 30 mil cada. Inscrições vão até 2 de maio.

Jovens Instrumentistas. Oferece dez bolsas de estudos para novos talentos instrumentais, que irão estudar com consagrados nomes da música. As inscrições abrem em 2 de maio.