Corpo

Lugar das vivências e das memórias 

O professor e pesquisador Marcos Alexandre também ressalta a valorização da corporeidade negra em cena

Por JOYCE ATHIÊ
Publicado em 29 de novembro de 2015 | 04:00
 
 

Quando Guilherme Morais dirigiu as primeiras cenas de “Calor na Bacurinha”, a nudez do corpo que ele propunha a um grupo de atrizes tornou-se uma questão. “Metade não queria ficar pelada. Achavam que era gratuito. O trabalho performativo mexeu tanto que algumas artistas quiseram sair, e isso reflete como o corpo é a arma mais importante que temos”, diz o coreógrafo multiartista. Para ele, o corpo é onde são gravados vivências e desejos. “Esquecemos do corpo porque queremos esquecer que somos animais. Queremos ser mais cabeça”, diz.

Para Luciana Romagnolli, crítica e pesquisadora, o corpo é central no pensamento feminista por ser ele moldado, oprimido ou exposto em cenários de objetificação. “É por isso que quando as bacurinhas partem do moralismo para irem nuas em cena e empoderadas, investidas de discursos, estão mostrando corpos sem culpa e vergonha – embora as atrizes talvez possam ter em suas individualidades. Elas trazem nova projeção de formas de comportamento feminino. Algumas pessoas perguntam por que elas têm que ser agressivas assim. Por que tanta nudez? E isso já revela o motivo disso ser tão necessário”, afirma.

“Mula”, recente trabalho de Guilherme, parte da ideia do animal estéril que surge a partir de um cruzamento que não poderia se dar, como uma metáfora dos relacionamentos homossexuais. Embora o artista aponte que o trabalho tenha caminhado para outros lugares, como um questionamento da acelerada produtividade capitalista, torna-se central no trabalho a exploração das possibilidades do corpo. “Ele mostra como o corpo pode performar outras coisas que não só a coreografia estrita do feminino e masculino, mostrando que tem outros lugares fora dessa dicotomia. Ele vai se vestir sem usar as mãos e mostrar o que o pé, as mãos, o ombro são capazes de fazer”, explica Luciana.

O professor e pesquisador Marcos Alexandre também ressalta a valorização da corporeidade negra em cena. “É algo que acredito que seja diferenciado, e isso, agora, vem num formato que traz nova possibilidade de se ver o corpo cênico do ator. Na periferia, esses corpos sempre falavam, mas falavam na sua casa. Agora começam a ocupar um lugar que não era ocupado”, pontua.

O ator Will Soares chama a atenção para o discurso da corporeidade. “Só a presença de um corpo queer e negro, como o do rapper Rico Dalasan, por exemplo, chama atenção e cria novos sentidos para as pessoas”.