Música em prol de Valadares 

“A música é uma arma”, definiu assertivamente Fela Kuti. No entanto, a arma da qual o revolucionário cantor e ativista nigeriano se referia não é bélica, não tem aço e nem gatilho. Fela refletia sobre a capacidade de conscientização da música, que tem força para fazer coro às mais variadas lutas. E foi pensando na vocação social da música que um grupo de artistas mineiros criou o “Água de Beber”, show que acontece hoje, n’A Autêntica. O evento, que conta com nove atrações, busca arrecadar água para Governador Valadares, uma das cidades mais atingidas pelo criminoso rompimento da barragem da Samarco, mineradora do grupo Vale, em Mariana.

Participam do show “Água de Beber” – cuja entrada são quatro litros d’água por pessoa – os grupos e artistas Mordomo, A Fase Rosa, Kristoff Silva, Xafu, Juventude Bronzeada, Papagaio Elétrico, Lupe de Lupe, Beatfunk e Boechat. “A maioria das bandas têm integrantes que são de Valadares e hoje vivem em BH. Eu e Fernando (Persiano), do Mordomo; o Renato Boechat; o Rodrigo Magalhães, d’A Fase Rosa; o Juninho Ibituruna, do Xafu”, conta o valadarense Bernardo Dias, músico e sócio da casa de shows A Autêntica.

“A ideia partiu do baterista Juninho Ibituruna. Ele reuniu num grupo de Facebook outros músicos valadarenses que vivem em BH, e começamos a pensar num evento para arrecadar água para a cidade”, explica Bernardo Dias. “Sugeri que o show acontecesse n’A Autêntica e começamos a contatar músicos que topariam participar. Pensamos em quatro litros d’água por pessoa, mas sabemos que muita gente vai levar mais que isso, o que é excelente”, aposta.

O músico e empresário explica que a água arrecadada será entregue amanhã a amigos que estão levando doações para Valadares. “É uma tragédia incalculável. Meus pais, meu irmão e muitos amigos moram lá, então temos notícias do que está acontecendo e que não está sendo divulgado. São filas de dobrar quarteirão para pegar água, um mau cheiro terrível por conta dos peixes mortos”, relata Dias. “O Rio Doce morreu e deixou desamparados pescadores e aldeias indígenas que ganhavam a vida ali. O desastre não é só ambiental, mas social. Afetou a vida de muita gente, é uma tristeza sem fim e alguém tem que pagar por isso”, crava.

Para Bernardo Dias, a capacidade que a música tem de reunir as pessoas deve ser aproveitada para o bem. “Temos esse privilégio de reunir e prender a atenção de muita gente, então devemos cumprir o papel de conscientizar, de usar essa visibilidade para passar uma mensagem e aliar as pessoas a causas importantes, como esta”, defende. Vocalista e guitarrista da banda A Fase Rosa, Thales Silva concorda. “O mínimo que podemos fazer é dar algum tipo de assistência a qualquer quantidade que seja de pessoas”, afirma. “Sabemos que isso não vai impedir que essas empresas voltem a nos aterrorizar, mas é necessário que não nos falte compaixão agora. Qualquer ajuda é válida. Em especial, as de caráter menos marqueteiro”, completa.

De acordo com o músico, é necessário romper a impotência para lutar por soluções. “Nesses momentos, bate um desespero e a tendência natural é deixar morrer de inanição nosso sonho de um mundo melhor. Tenho sonhos revolucionários e vejo muita gente buscando essa mesma direção, que é necessariamente radical, em especial quando, como agora, somos massacrados por agentes do lucro como a Vale e sua Samarco”, critica Thales Silva. Bernardo Dias lembra, ainda, a importância de continuar falando sobre o crime ambiental. “Tenho visto que o desastre está perdendo espaço, e é um assunto que não pode morrer assim, tão fácil. Afinal, pode parecer que a tristeza passou, mas ainda tem muita gente sofrendo e tentando reconstruir a vida”, conclui.

Agenda

O QUÊ. Água de Beber – Shows com Mordomo, A Fase Rosa, Kristoff Silva, Xafu, Juventude Bronzeada, Papagaio Elétrico, Lupe de Lupe, Beatfunk e Boechat

QUANDO. Hoje, às 21h

ONDE. A Autêntica (rua Alagoas, 1.172, Funcionários)

QUANTO. Quatro litros de água por pessoa