MAXAKALIS

O cinema ancestral que vem aldeia

Há 10 anos o casal de cineastas Isael e Sueli registra os rituais de sua aldeia; seus filmes são aclamados no mundo todo

Por JULIANA BAETA
Publicado em 18 de abril de 2017 | 03:00
 
 
Após a defesa, Andriza dança com as mulheres da aldeia Amanda Mendes

Quando o atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o dentista e pastor evangélico Antônio Costa, declarou que os “índios não podem ficar parados no tempo”, ele provavelmente não levou em consideração a resistência cultural que efervesce nas aldeias do Brasil. Se ele conhecesse o trabalho dos cineastas Isael, 38, e Sueli Maxakali, 39, por exemplo, membros da Aldeia Verde, em Ladainha, no Norte de Minas, perceberia que a manutenção de seus valores e costumes é justamente a maneira que encontraram de continuar existindo neste tempo.

E é este trabalho que gerou o estudo da jornalista e pesquisadora Andriza Andrade, 31, que na última terça-feira (11) defendeu a sua tese de mestrado pela Universidade Federal de Ouro Preto na aldeia junto com os Maxakalis. O trabalho “Narrativas Audiovisuais: Cinema, Memórias Ancestrais e Rituais entre os Tikmũ’ũn_Maxakali” se baseou na obra de Isael e Sueli para esmiuçar a materialização das memórias ancestrais da etnia que sobrevivem até hoje por meio dos rituais praticados, e também para refletir sobre como o cinema se tornou um importante aliado dos povos originários do Brasil.

Esta é a primeira vez que uma defesa de mestrado acontece em uma aldeia indígena em Minas. No Brasil, é a terceira vez. “Quando visitava a aldeia para o meu trabalho de campo, eu ficava na casa do Isael e Sueli. Trazer o resultado da pesquisa para cá foi a forma que a gente encontrou de dar esse retorno para eles e também de trazer a academia para estes espaços”, conta a pesquisadora.

Produção prolífica. O casal já produziu e dirigiu cerca de 20 filmes desde 2007. Com uma câmera na mão e séculos de conhecimento sagrado perpassado por seus ancestrais, Isael e Sueli registram os rituais indígenas que acontecem na aldeia, atualmente com cerca de 411 membros. Em Minas, além de Ladainha, os Maxakalis também resistem em Bertópolis, Santa Helena de Minas e Teófilo Otoni, totalizando apenas 1.500 membros da etnia, segundo o último registro da Funasa. Mas nem sempre foi assim.

Sueli conta que sua principal motivação ao registrar os rituais é apresentar para a comunidade não-índia de Ladainha que os indígenas não são “selvagens”, como já escutaram na cidade além da aldeia. “A gente começou para mostrar os filmes nas escolas, pras crianças, pras professoras, para diminuir o preconceito. Tem criança que tem medo da gente por causa das histórias que contam sobre nós. E por isso os filmes tem que ser mostrado nas escolas, porque é a gente mostrando a nossa história, e porque dali vão sair alunos formados para fazer direito, antropologia, e assim o conhecimento vai sendo passado. Já perguntaram porque o Maxakali sai da aldeia e vai para a cidade, mas eles (os não-índios) têm que entender que ali também era a nossa terra. Ali também era aldeia”, lembra.

“É importante conhecer o nosso trabalho, pra conhecer o Maxakali, foi o jeito que encontramos de registrar nossos rituais para mostrar para o mundo”, completa Isael, que é formado em Educação Intercultural Indígena pela UFMG, professor em sua aldeia e, atualmente vereador de Ladainha, após ser eleito para o mandato deste ano.

Como ocorre com a maioria dos indígenas que acessam o ensino superior, o conhecimento acadêmico adquirido, geralmente, é aplicado em suas respectivas comunidades. É o caso de Isael e Sueli que, além de produzir, filmar, dirigir e roteirizar os filmes, também ensinam a outros membros da aldeia as técnicas de filmagem e a produção de vídeos.

Linguagem. Todos os filmes são feitos na língua Maxakali e, posteriormente, legendados para o português, espanhol e inglês, já que são exibidos em vários cantos do mundo em festivais e mostras de cinema, além do Brasil. Mas quando se fala em linguagem, não se trata apenas de idioma. Se trata da maneira de apresentar o registro, como no filme Konãgxeka: o Dilúvio Maxakali (2016), uma animação sobre o dilúvio na visão dos Maxakalis (um castigo enviado pelos espíritos yãmîy por causa do egoísmo e da ganância dos homens), feito em parceria com Charles Bicalho, da produtora Pajé Filmes.

A produtora, aliás, começou em 2008, um ano depois que Isael e Sueli iniciaram seus trabalhos como cineastas após as aulas de audiovisual com Bicalho, justamente para abarcar essa produção. “Em 1996, não havia quase nenhum material sobre os Maxakalis, exceto algo na literatura, e agora, com esse meio de produção que eles já usam com propriedade, os registros, principalmente sonoros, são muitos. A gente só tem a ganhar porque ninguém conhece melhor essa realidade do que eles mesmos, por isso os filmes são muito ricos em termos de narrativa. Hoje em dia na aldeia quase todo mundo tem sua câmera ou filmadora. Eles adoram esse registro fotográfico. Há casos de ritual que não era praticado mais e, por causa da câmera, eles resgataram essa tradição e voltaram a fazê-lo”, conta Bicalho.

A linguagem também se desdobra na forma como os Maxakalis veem o mundo. O ponto de vista bem diferente do não-índio é poético, espiritual e ancestral. São ensinamentos passados pelos índios que já se foram (mas que permanecem em espírito), e transmitidos dos membros mais velhos para os mais jovens. Para os indígenas esses conhecimentos e rituais são sagrados, pois significam a própria sobrevivência.

Veja alguns dos filmes produzidos por Isael e Sueli: