Luana Carvalho

Poemas, canções e vazios 

Filha de Beth Carvalho estreia com álbum duplo, reunindo Eucanaã Ferraz, André Dahmer e nata da música brasileira

Por LUCAS SIMÕES
Publicado em 16 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
Luana vai estrear os shows de “Sul” e “Branco” em março e Christy Barley/ Divulgação

Luana Carvalho soube que gravaria as canções que conserva na cabeça desde seus 15 anos, assim que convidou Moreno Veloso para um encontro e, ao recebê-lo em casa, o produtor e compositor foi logo sentando-se no chão, sem cerimônia. “O chão é onde eu mais gosto de ficar. Quando o Moreno fez isso, ele me abraçou. Aí nos entendemos como bons ‘baianos’”, diz a artista, que nasceu no Rio e há pelo menos três anos cozinha em banho-maria sua estreia fonográfica.

Aos 35 anos, a filha de Beth Carvalho e do ex-jogador de futebol Édson de Souza Barbosa estreia sem tanto alarde – e sem uma pretensão absoluta no universo da composição –, lançando os discos “Sul”, que chega ao mercado hoje, e “Branco”, que chega apenas na quarta-feira (18). Nos dois trabalhos, chancelados pela Coqueiro Verde, a nata da música contemporânea brasileira está ali. Mas não só.

Formada em letras e artes cênicas, Luana teve sua primeira manifestação artística na literatura, mais especificamente na poesia, o que levou a artista a criar a plataforma Cais, que difunde experiências em língua portuguesa. Antes disso, ainda menina, ela passava o tempo livre em casa, quando não viajava em turnê com a mãe, na companhia do avô, ouvindo discos de Lupicínio Rodrigues e Ataulfo Alves e lendo coisas soltas de Cecília Meireles, Manoel de Barros, Monteiro Lobato, Ruth Rocha e Ferreira Gullar.

“Aquele era meu universo. Muitas vezes, minha mãe viajava e, como meu pai tinha ido jogar futebol no Qatar, eu ficava naquela casa enorme. Sabe quando você mora em um lugar que não visita alguns cômodos de tão grande? De alguma forma, isso também é uma inspiração dos discos. Aqueles vazios instigaram minha criatividade, me atiçaram a preenchê-los. E, para isso, eu precisava de música e poesia, os dois”, diz Luana.

Isso explica muito dos convidados de “Branco”, disco mais encorpado, repleto de sonoridades e participações quentes. Desde o encarte, a concepção foi de troca. Por isso, Luana convidou poetas como Eucanaã Ferraz e Alice Sant’Anna para ouvir suas canções e escrever poemas a partir delas. O mesmo foi sugerido aos ilustradores André Dahmer, Tomás Cunha Ferreira e Kammal João. “Eu precisei de poesia para desenvolver a composição. Foi a poesia que me levou à música. E eu queria que as pessoas voltassem a desenvolver relações com o encarte. Mesmo quem não comprar o disco pode baixar o encarte, emoldurar, criar uma relação afetiva e transformadora para além da canção”, explica Luana.

No quesito harmonia e melodias, “Branco” também impressiona. Não por trazer canções sensacionais em seu sentido tradicional, mas por permitir um misto infindável de experimentações e sensações. Muito pela pluralidade de músicos que o produtor Moreno Veloso trouxe na bagagem. Só guitarristas são três se revezando: Lucas Vasconcellos, Davi Moraes, filho de Moraes Moreira, e Pedro Sá. No acordeão, Marcelo Caldi e Bebê Kramer também dividem os arranjos. No baixo, Ricardo Dias Gomes e Alberto Continentino se alternam com linhas distintas e muito criativas – além de contar com Domenico Lancellotti, Rafael Rocha e Bruno Di Lulo.

“A gente entrava no estúdio e o Moreno dizia: e aí, o que vamos fazer hoje? Muitos músicos foram chamados no dia e tiveram liberdade total para criar. Isso fez a diferença, não temos uma homogeneidade nas canções no sentido harmônico ou melódico. Só as letras que basicamente perpassam pelas relações de amor”, diz Luana. Apesar de ter lançamentos distintos, “Sul” e “Branco” não se completam em sintonias necessariamente melódicas – enquanto o primeiro é mais encorpado, o segundo soa minimalista e repleto de silêncios.

Show. “Baiana” de estilo assumidamente vagaroso, Luana programa shows pelo país apenas em março. A ideia dela é apresentar “Sul” e “Branco” juntos no palco em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, em um formato minimalista. “Não vai ser possível levar o disco todo para o palco, minha ideia é fazer um formato mais minimalista, baixo, guitarra e bateria, e dar outra cara para as canções", completa.