“O Jogo da Imitação”

Pouco arrogante, nada genial 

Longa sobre herói oculto da Segunda Guerra é indicado a oito Oscars

Por Daniel Oliveira
Publicado em 05 de fevereiro de 2015 | 04:00
 
 
Gênio injustiçado. Indicado ao Oscar, Cumberbatch é destaque de longa televisivo e pouco ousado Jack English

Até dez anos atrás, desdenhar um filme como “televisivo” significava um uso limitado e óbvio da linguagem audiovisual, decupagem simplória e diálogos expositivos. Hoje, após “Mad Men”, “Breaking Bad” e “True Detective”, comparar algo a TV é quase um elogio. E “O Jogo da Imitação”, que estreia hoje, é um sintoma de como a curva se acentuou tanto que um longa aclamado se tornou a versão acanhada e pasteurizada de algo que seria bem mais ousado na telinha.

A produção transforma a história excepcional do matemático inglês Alan Turing (Benedict Cumberbatch) em um filme... correto. Convocado pelo governo para trabalhar como criptógrafo durante a Segunda Guerra, Turing foi o gênio que decifrou o “Enigma”, código secreto utilizado nas comunicações alemãs durante o conflito – criando uma máquina que não só foi uma das grandes responsáveis pela vitória aliada, mas que fez dele também o pai do que se conhece hoje como computador.

Além de gênio, Turing apresentava sintomas agudos de Asperger – em outras palavras, era um Sheldon da vida real: arrogante e intragável. E por último, mas não menos importante, ele era um gay enrustido. E com a quebra do Enigma mantida em segredo e utilizada como trunfo pela Inglaterra por mais de 50 anos, e o fato de que a homossexualidade era um crime no país à época, o destino de Turing não foi exatamente o de um herói de guerra.

Cumberbatch vai além de meramente reproduzir o outro gênio arrogante que interpreta na TV em “Sherlock”. O ator incorpora o conflito interno do protagonista na postura física e no jeito de andar acadêmico, associados à arrogância usada como defesa por alguém que passou a vida com medo de ser descoberto. Mas é na fala que ele deixa esses dois polos bem claros: segura e direta quando Turing defende sua ciência, mas indisfarçavelmente gaga no trato social ou mais pessoal.

A performance deve muito ao roteiro de Graham Moore. Mesmo jovem, estreante e norte-americano, ele capta com competência o sarcasmo rápido e inteligente do humor inglês, especialmente nas cenas iniciais, ressaltando o difícil gênio de Turing – que era ao mesmo tempo seu maior trunfo e seu maior obstáculo.

E ironicamente espelhando esse paradoxo, o talento de Moore em escrever ótimos diálogos e cenas redondinhas acaba sendo o maior problema de “O Jogo da Imitação”. O roteirista acha que pode resolver tudo em uma cena. A mudança dos colegas de Turing, que estavam contra ele e se colocam a seu favor, acontece em uma cena. E o drama e a violência sofrida por Turing após a guerra são resumidos a uma “grande” cena no final do filme para render uma indicação ao Oscar a Cumberbatch e Keira Knightley.

E especialmente nesse último caso, uma cena não é o bastante. “O Jogo da Imitação” faz a escolha de ser uma celebração do trabalho de Turing durante a guerra, com o que aconteceu depois sendo uma nota de pé de página infeliz. O resultado é uma mistura mais divertida de “Uma Mente Brilhante” com “O Discurso do Rei”, que deixa a atrocidade cometida pelo governo britânico passar com um tapinha nas costas, ignorando os momentos difíceis e que o problema era o sistema, e não Turing.

Em vez de mostrar, o longa prefere repetir isso no refrão-tema “às vezes, as pessoas que ninguém espera fazem as coisas que ninguém imagina” – que parece associar confusamente o ser gênio/especial a ser gay. E o diretor norueguês Morten Tyldum confia cegamente nesse roteiro e nos seus atores – limitando-se ao clichê cansativo de começar a cena em um plano mais fechado e abrir com um leve zoom.

O resultado dá vontade de ver o que cineastas ingleses como Steve McQueen (“12 Anos de Escravidão”) ou Andrew Haigh (“Weekend”) fariam com essa história. Do jeito que está, “O Jogo da Imitação” pode te deixar triste, ou até inspirado ao sair do cinema. Com um dos dois, ele causaria indignação – um filme à altura do que a arrogância sem falsa modéstia de Alan Turing esperaria para si mesmo.