Campanha

Retratos da realidade ou estereótipos? 

Opiniões divergem sobre a imagem projetada dos homossexuais em espetáculos dentro da programação

Por gustavo rocha
Publicado em 10 de janeiro de 2014 | 04:00
 
 
Debate. “Em Louvor à Vergonha”, da Madame Teatro, abre discussão da sexualidade ao mostrar Oscar Wilde, que foi julgado e condenado pela Corte Britânica por ser homossexual. CANGARAL/DIVULGAÇÃO

As tórridas cenas de sexo entre um casal de lésbicas do filme francês “Azul É a Cor mais Quente” lançam gasolina em uma discussão que parece não encontrar, salvo uma ou outra exceção, repercussões nos espetáculos que se apresentam dentro da programação da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, promovida pelo Sinparc, que segue em sua quadragésima edição.

O filme francês mostra a relação de duas jovens homossexuais com uma “naturalidade” pouco vista nas telas do cinema, da televisão ou mesmo nos palcos e espaços de teatro aqui em Belo Horizonte, ou mesmo no Brasil. Ao contrário, a grande maioria dos espetáculos que integram a programação da Campanha destila piadas e preconceitos a respeito da orientação sexual que não seja a hetero. Chamadas de comédias rasgadas, escrachadas, besteirol, ou qualquer outra alcunha que se queira dar ao gênero, elas se proliferam sobre estereótipos.

“Nas peças que se vê historicamente na Campanha, o homossexual serve para dar risada, a caricatura prevalece. As peças poderiam abordar uma discussão, mas abordam apenas o estereótipo”, afirma o professor do Departamento de Comunicação da UFMG Carlos Camargos Mendonça, doutor em comunicação e semiótica, cuja pesquisa de doutorado, intitulada “A Vida É um Drama”, esmiúça as semelhanças entre jogos sociais e jogos teatrais.

O ator Ernane Campos, que está em cartaz na campanha com “Meu Tio É Tia”, não crê que haja estereótipo em sua peça. “Acho que os espetáculos retratam o gay que existe. O gay alegre, divertido, bem-humorado. Por outro lado, existem textos que falam do tema sem ter necessariamente que mostrar o gay caricato, mas ele será sempre bem-humorado”, diz.

“O estereótipo pode ser interessante se o ator beber do grotesco, com o personagem fazendo humor de si. Mas, fatalmente, se ele é usado gratuitamente, apenas para fazer as pessoas rirem, serve apenas como uma piada, um curinga que se leva na manga”, acredita Diego Bagagal, um dos integrantes da Madame Teatro. A companhia apresenta “Em Louvor à Vergonha”, sobre a vida e obra de Oscar Wilde, entre 6 e 9 de fevereiro, na Campanha.

Os integrantes do grupo Madame Teatro seguem caminho diferente daqueles que usam a homossexualidade como piada fácil. Com dois espetáculos no currículo, ambos versando sobre o tema, a companhia busca um olhar que seja mais humano, antes de qualquer escolha ou afirmação de sexualidade.

“O preconceito é fruto do medo. As pessoas temem que um homossexual possa ser uma pessoa normal e tenha defeitos e virtudes como todo mundo”, defende Bagagal, lembrando que, quando Oscar Wilde escreve “Salomé”, ele, na verdade, quer ser aquela mulher. “Então, ele cria um arquétipo, uma projeção naquele personagem. Wilde é o primeiro homem moderno, nosso primeiro mártir”, completa o diretor, ao lembrar que o irlandês foi o primeiro homem julgado na Inglaterra Vitoriana por ter “cometido atos imorais contra diversos rapazes”. A verdade é que Wilde era homossexual, tendo sido julgado e condenado por isso.

Há, para Mendonça, ainda um outro problema na relação do humor que se faz através de preconceitos com os homossexuais em produtos culturais. “Não há uma política de defesa de direitos clara do governo federal que ampare essas pessoas, tampouco uma legislação que proteja esse grupo (o estudioso prefere não utilizar o termo minorias, porque na concepção dele, tratá-las dessa maneira é justamente uma forma de marginalizá-las), portanto, a piada contra os homossexuais não pode nem ser julgada dentro de um aparato legal”, diz. Mendonça lembra que diariamente no Brasil são registrados 1,5 mortes contra homossexuais por crime de ódio. “Isso é o que registram”, pondera. Enquanto Ernane se mostra aberto à discussão, Ilvio Amaral, ator de “Acredite, Um Espírito Baixou em Mim!”, comédia campeã de público nas últimas edições do evento, não mostra a mesma disposição. Procurado para comentar a respeito do tema, o ator diz “não ter o menor interesse em discutir essas questões”. “Acredite, Um Espírito Baixou em Mim” já foi visto por mais de dois milhões de pessoas e conta a história de um homossexual que, inconformado com a própria morte, volta como machista radical.

Sem discussão.