Comportamento

Rumo à profissionalização

Reação à emergência dos booktubers é comparada ao burburinho provocado com a disseminação dos blogs na web

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 23 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
Encontro. O clube de leitura Tag Livros promoveu bate-papo com booktubers durante Flip deste ano Tag Livros/Divulgação

A discussão em torno do papel dos booktubers tem sido comparada ao incômodo provocado com a emergência dos blogs. Douglas Eralldo, editor do site Listas Literárias, é uma das vozes que fazem esse tipo de aproximação. Para ele, antes de atacar todo esse grupo como se agissem com os mesmos princípios, é importante avaliar o alcance das ações que eles desenvolvem em seus respectivos canais.

“Eu acho que divulgar resenhas e informações é algo muito interessante. Não sei se são tão relevantes os vídeos de ‘unboxing’ ou com uma pegada mais comercial, mas há iniciativas muito interessantes de booktubers lendo trechos do livro, fazendo relações entre a narrativa e a sociedade, apresentando observações críticas... isso é muito legal”, diz Eralldo.

Outro ponto que considera ser algo a favor desse formato é a questão da oralidade, que captura o público de uma maneira muito mais rápida. “O vídeo acaba ganhando nesse sentido. A oralidade deixa tudo mais espontâneo, ainda que a pessoa esteja trabalhando com falas roteirizadas. Infelizmente, quem ainda escreve no Brasil faz isso por resistência”, opina Eralldo.

Os questionamentos à atuação dos booktubers frequentemente apontam para o despreparo de muitos deles para lidar com os temas que abordam. Mell Ferraz, que mantém o canal Literatura-se desde 2010 e atualmente é estudante de estudos literários, observa que essas críticas não são novidade. “Nós estamos no meio de uma transformação muito grande, mas algumas coisas lembram o passado. Anos atrás, quem estava levando pedradas no nosso lugar eram os jornalistas, quando eles começaram a escrever sobre literatura. É interessante ver como essas mudanças geram esse tipo de desconfiança diante do novo”, comenta ela.

Para Daniel Lameira – que foi publisher da editora Aleph, editor e gerente de influência da Intrínseca e hoje trabalha como consultor de novas tendências –, há uma confusão quando os críticos aos booktubers avaliam o trabalho destes tendo como referência a crítica literária clássica ou o jornalismo.

“O conteúdo de booktubers, instagrammers, youtubers é algo novo, uma mistura de elementos, de opinião, de entretenimento, de informação, de troca com os seguidores. Essa criação mais caótica segue regras próprias, regras que já são muito comuns para quem os acompanha, e que envolve, naturalmente, ‘publieditoriais’ (ações pagas), mas essa novidade pode, sim, assustar à primeira vista quem está de fora e não é acostumado com essa cultura”, diz.

Para Lameira, o barulho identificado agora no cenário dos livros ecoa os mesmos debates em torno do impacto dos blogs. “Essa discussão já aconteceu há dez anos para os criadores de conteúdo. O ‘Estadão’, por exemplo, fez campanha ofensiva contra blogs. Hoje já passou, sabemos que tem bons blogs, péssimos blogs, jornais passaram a ter blogs, cada um com sua lógica. Mas só agora a discussão chega ao mercado dos livros com a mesma visão preconceituosa e conservadora”, afirma.

O consultor também avalia que a chegada dos booktubers representa apenas um começo, e o nicho cada vez mais deverá seguir o rumo da profissionalização, ainda que encontrando obstáculos no caminho. “A categoria sofre injustamente por tratar de um tema que envolve empresas que demoram mais para se atualizar do que as de outras áreas. Esses profissionais já deveriam ser mais reconhecidos do que são, já deveriam viver desse seu trabalho e, inclusive, ser mais consultados por editores e profissionais”, conclui Lameira.

Saiba mais

Neste ano, houve a presença de booktubers na Festa Literária Internacional de Paraty, como o encontro promovido pela Tag Livros, e reuniu Mell Ferraz, Isa Vichi e Yuri Al’Hanat. A Bienal do Livro de SP também teve mesa dedicada ao tema.