“A Travessia”

Sonho feito de brisa e ousadia 

Longa protagonizado por Joseph Gordon-Levitt, A Travessia conta história real narrada no documentário oscarizado O Equilibrista

Por Daniel Oliveira
Publicado em 08 de outubro de 2015 | 03:00
 
 
Filme de Robert Zemeckis conta com Joseph Gordon-Levitt se equilibrando no papel de protagonista Sony Pictures/Divulgação

Existe uma forma ideal de assistir a “A Travessia”, que pode não ser convencional, mas vai te proporcionar o melhor de dois mundos. Primeiro, vá a uma locadora (se elas ainda existem) ou procure online o documentário “O Equilibrista”, vencedor do Oscar em 2009. Veja e, depois, corra para chegar ao cinema a tempo de conferir os 40 minutos finais do longa de Robert Zemeckis, que estreia hoje.

A dobradinha fornece a excelência narrativa do primeiro – que, misturando reencenações típicas da ficção e depoimentos documentais em primeira pessoa, constrói com mais eficiência a tensão, os vários personagens e temas que culminam no ato final. E a experiência inigualável do segundo, que, usando efeitos de ponta e a profundidade e imersão do 3D, te coloca em uma corda bamba pendurada entre as Torres Gêmeas.

Os dois filmes são baseados na autobiografia “To Reach the Clouds”, do francês Philippe Petit. Interpretado por Joseph Gordon-Levitt em “A Travessia”, ele se apaixonou pelo equilibrismo na adolescência e decidiu que seu maior feito seria esticar um cabo entre as torres do World Trade Center e atravessá-lo – o que ele fez em 1974, antes mesmo da inauguração oficial dos prédios. É uma história do triunfo sem limites do espírito humano, maior que qualquer torre e qualquer medo.

E a grande diferença entre as duas produções é quem está no comando delas. Como é claramente perceptível em “O Equilibrista”, Petit é uma daquelas figuras maiores que a vida, extremamente egocêntrico e capaz de sugar o ar e a atenção para si se Mick Jagger, Meryl Streep e o papa estiverem do seu lado. E enquanto o diretor James Marsh consegue contornar isso no documentário, mantendo seu foco no caráter único da história e nos temas que ela tece, Zemeckis sucumbe ao peso de seu protagonista – deixando mesmo que ele narre o filme, com Gordon-Levitt se dirigindo diretamente ao público do alto da Estátua da Liberdade.

 

FOTO: Philippe Petit/Arquivo
Philippe Petit durante sua travessia ilegal sobre cabo no imenso vazio entre as torres do WTC
 

Se isso deu certo na semana passada com Matt Damon e o texto bem-humorado de “Perdido em Marte”, o resultado aqui é diferente. Nem o carismático Levitt consegue superar a narração expositiva e óbvia do roteiro que, colocando Petit tão no centro da tela, acaba exacerbando desnecessariamente sua personalidade egocêntrica e infantil.

Com isso, não há espaço para desenvolver os demais personagens e explorar os reais motivos por que eles topam auxiliar Petit em sua empreitada. Sem eles, a história não cria uma tensão verossímil entre o grupo. E Zemeckis compensa a dramaturgia pobre transformando toda cena em uma gritaria cansativa – e Levitt, especialmente, sofre com essa direção equivocada.

Em vez de explorar a interessante ideia de caminhar numa linha entre, literalmente, a vida e a morte, o cineasta faz de “A Travessia” uma fábula sobre um homem comum e seu sonho fantástico – algo que ele já fez melhor em “Forrest Gump”.

E apesar disso tudo, não há como ignorar algo inegável: “A Travessia” é imperdível por seus 40 minutos finais. Quando Zemeckis usa os US$ 35 milhões do orçamento e os ótimos efeitos visuais de Kevin Baillie (com quem ele trabalhou no incrível acidente aéreo de “O Voo”) para te colocar nos pés de Petit, a 110 andares de altura, ele constrói um espetáculo inatingível para Marsh e seu documentário.

O efeito imersivo do 3D é de arrepiar a espinha e, se você tem vertigem, leve um Dramin. É um trabalho exemplar de direção, decupagem e entrega de Levitt, que vale por todos os defeitos do longa até ali. E faz jus ao feito super-humano de um homem cuja grandiosidade quase sufoca seu próprio filme.

 

Assista ao trailer de "A Travessia":