Trajetória

Stepan Nercessian volta a encarnar Chacrinha e opina sobre censura

Redação O Tempo

Por RAPHAEL VIDIGAL
Publicado em 18 de outubro de 2017 | 03:00
 
 
Musical. Atração volta a BH nos dias 4 e 5 de novembro e traz Stepan Nercessian de Chacrinha João Miguel Júnior/TV Globo

Rio de Janeiro. Stepan Nercessian, 64, protagonizou três pornochanchadas em 1973 (“Primeiros Momentos”, “Como É Boa Nossa Empregada” e “Amante Muito Louca”). Nesse mesmo ano, Caetano Veloso lançou “Araçá Azul”. É da faixa “Épico”, presente no disco, que o ator pinça uma frase para “melhor definir” Chacrinha (1917-1988): “Botei todos os fracassos/ Nas paradas de sucessos”, cantarola o artista goiano.

Nercessian também é o protagonista de “Chacrinha, o Musical”, que estreou em 2014. A fim de celebrar o centenário de nascimento do homenageado, a atração cumpre nova temporada em quatro cidades (Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Recife e Campinas), antes de chegar a Belo Horizonte, onde encerra a turnê nos dias 4 e 5 de novembro no Cine Theatro Brasil Vallourec. “Chacrinha tinha essa coisa bonita de transformar a favor dele tudo o que era contrário. Ele queria trabalhar no rádio, mas a voz era horrível, queria trabalhar na TV, mas era feio. Tudo que era para ser ruim, ele incorporou de maneira positiva”, defende Nercessian.

“Nesse momento em que se proíbe tudo, critica-se tudo, em que as pessoas acham que só está certo quem pensa igual a elas, o Chacrinha seria importantíssimo. Lá atrás ele enfrentou o preconceito de intelectuais, igreja, psiquiatras, que o quiseram rotular, mas ele não permitia. Essa coragem autêntica e revolucionária faz muita falta”, completa o ator.

Antes de se consagrar na televisão e inventar bordões que ganharam a força de ditados populares (“eu vim para confundir, não para explicar” ou “quem não se comunica, se trumbica”), o apresentador nascido em Surubim, no interior de Pernambuco, comandou programa de rádio transmitido de uma pequena chácara, em 1943, o que lhe rendeu o apelido para toda a vida. “Ele precisava de muita organização para provocar o caos, como quem dissesse: arruma tudo, que eu vou bagunçar. Nisso eu o acho muito importante. Pela abertura, essa coisa de ‘quem disse que não pode? Aqui pode tudo’. Agora, imagina, quando você rompe, modifica a lógica, vem sempre o contraponto, a repressão, de dizer que aquilo é loucura, absurdo”, aponta.

“Vejo Chacrinha como um grande youtuber, ele podia fazer o que quisesse, sem compromisso. Foi alguém que levou fantasia para o povo brasileiro. As pessoas esperavam para saber como ele ia aparecer: se vestido de noiva, com roupa de mulher, palhaço”, sublinha.

Censura. A música que Marcelo Jeneci cantou em 2012 numa homenagem a Roberto Carlos tinha sido gravada pelo Rei no ano de 1970. “O Astronauta”, composição de Helena dos Santos e Édson Ribeiro, representa, para Nercessian, “uma das maiores músicas de protesto”. “Eu acredito muito no discurso que não é óbvio e acaba provocando transformações. Na época da ditadura você cantar que vai ‘desligar os controles da nave espacial, e ficar pra sempre no espaço sideral, não vou voltar, pra terra não vou voltar’, com aquela emoção, aquilo me tocava profundamente. Porque era isso, dizer que aqui tá tão ruim que não aceito, quero sair”, observa.

“O Chacrinha fazia isso o tempo todo. Ele contribuiu para romper preconceitos de uma maneira que, hoje, seria chamado de ‘preconceituoso’. Nessa causa de gênero, por exemplo, ele fez muito mais quando compôs ‘Maria Sapatão’ (com João Roberto Kelly), daquela maneira transversa dele. Foi uma revolução, o equivalente a, hoje em dia, uma novela das oito falar sobre isso. Ninguém tocava no assunto, era um tabu, as pessoas chamavam lésbica de ‘fanchona’”, argumenta.

Nomeado presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) em dezembro de 2016, Nercessian aproveita o ensejo para opinar sobre os recentes episódios de censura a exposições de arte. “É ruim para todo mundo, até para quem está do outro lado, querendo proibir, porque é um retrocesso. As pessoas estão querendo fazer afirmações sobre coisas que estão em movimento, quando nada está concluso, é um momento de incertezas. Não é hora de parar nada, tem que deixar as coisas andarem e tolerar, até, os intolerantes”, diz.

O repórter viajou a convite de “Chacrinha, o Musical”