'Onde Nascem os Fortes'

Um sertão renovado na TV

Série da Rede Globo, que estreia nesta segunda-feira na faixa das 23h, aposta em linguagem fora do lugar-comum

Por Da Redação
Publicado em 22 de abril de 2018 | 03:00
 
 
Trio. Nonato (Marco Pigossi) flerta com Joana (Maeve Jinkings) na frente de Pedro (Alexandre Nero) em cena da série que estreia na segunda-feira (23) ESTEVAM AVELLAR/GLOBO/DIVULGAÇÃO

SÃO PAULO. Já disponível no Globo Play, o primeiro capítulo de “Onde Nascem os Fortes”, nova produção da Globo para a faixa das 23h, não deixa dúvida de que estamos mais diante de uma série do que de uma novela.

Embora ali haja alguns elementos do melodrama, toda a montagem do capítulo, dos diálogos aos ângulos de câmera, foge muito do lugar-comum. Aí pode haver um problema.

É que a estreia, assim como os capítulos de todas as segundas, virá logo após um novelão cujo sucesso se apoia em situações caricatas e hipnotiza quem gosta de ligar a TV para não ter de pensar em nada. Saltar de “O Outro Lado do Paraíso” para “Onde Nascem os Fortes” pode ser um choque.

O espectador há de esperar 4 minutos e meio até ouvir a primeira fala. Até ali, são 50 segundos de uma abertura ao ritmo do sertão, sob a serenidade da voz de Tom Veloso (filho do cantor e compositor baiano Caetano Veloso e da empresária e atriz Paula Lavigne) em “Todo Homem”, e uma viagem vista pelo olhar do ciclista (da ciclista, como só saberemos quase aos 2 minutos, quando ela tomba no chão).

Enxuta. “Onde Nascem os Fortes” é enxuta. Dispensa verborragia e tecido adiposo, o que só contribui para a concentração do espectador sobre o que realmente importa na história.

Paradoxalmente, é justamente esse o efeito perseguido, e muitas vezes não alcançado, por roteiristas que seguem pelo caminho contrário.

As cenas que introduzem Pedro Gouveia, personagem de Alexandre Nero, por exemplo, são autoexplicativas. Ele é apresentado como o cioso dono de uma gigantesca fábrica de bentonita, e ninguém precisa saber para que serve a bentonita para entender que ele é a tradução do poder local.

Pedro Gouveia tem uma mulher, Rosinete (Débora Bloch) e uma amante, Joana (Maeve Jinkings), com quem transa em pleno expediente. Tem também um filho e uma filha, Aurora (Lara Tremouroux), vítima de lúpus.

Janta só, enquanto a mulher corre, a filha descansa e o filho sai para a balada. Uma câmera no fundo de um corredor o focaliza na mesa da copa, em plano nada habitual para a teledramaturgia. É o diretor, José Luiz Villamarim, tirando o espectador da zona de conforto, sem incomodá-lo.

Ao posicionar seu ângulo de modo diferente do usual, o diretor faz a plateia anestesiada pela passividade se mexer no sofá.

 

Benzedeira é inspiração de Iranhdir Santos

SÃO PAULO. Na cidade de Cabaceiras (PB), nas belas paisagens do hotel Fazenda Lajedo do Pai Mateus, vive um núcleo espiritual da série “Onde Nascem os Fortes”. Samir (Irandhir Santos) é o líder religioso de uma comunidade chamada de Lajedo dos Anjos.

O lugar será refúgio de muitos, mas também zona de conflitos provocados por poderosos. “No início da história, havia um traço de cristianismo muito forte nessa comunidade, mas sugeri aos autores que a gente pudesse abrir para o sincretismo e colorir mais essa comunidade, e eles aceitaram. A cada cena que fizemos, fomos construindo rituais e orações. Eu me inspirei muito no que eu vi na minha infância em Limoeiro, onde cresci. Especificamente em uma mulher chamada Dona Benedita, que benzia todos na cidade. Aproveitei algumas frases que ela repetia nessas rezas e usei como gatilho emocional para viver o personagem”, explica Irandhir Santos, que nasceu no interior de Pernambuco. Toda a linguagem dessa religião foi criada pelos atores em parceria com os escritores. 

A atriz Camila Márdila é Aldina, que encontra seu destino em Lajeado. “Ela tem passado desconhecido, busca abrigo e acaba ajudando Samir a organizar o modo de vida das pessoas”, diz ela. E quem vive no alto das pedras não ficará imune aos conflitos.

Alexandre Nero

Modernidade. “Ele não gosta de poder. Ele é o poder”, afirma o ator Alexandre Nero sobre seu personagem Pedro. O ator destaca que a produção dá uma nova visão do sertão nordestino. “A série retrata um sertão contemporâneo, diferente de tudo o que eu tinha visto. Eu sempre conheci essa região pelo cinema, que o retratou de forma datada e caricata”, lembra Nero. “As pessoas do sertão também estão na era da internet, do celular, e não usam mais jegue como transporte”, diz. Na série, Pedro é dono de uma fábrica de bentonita, matéria-prima abundante na região. Ele é suspeito do desaparecimento de Nonato (Marco Pigossi) e se apaixonará pela mãe dele, Cássia (Patrícia Pillar).