'Homeland'

Uma América (bi)polarizada

Sétima temporada da série se revela retrato perfeito do caos político dos EUA

Por Daniel Oliveira
Publicado em 21 de março de 2018 | 03:00
 
 
Crise. Instabilidade política do país afeta saúde mental de Carrie Showtime / divulgação

Carrie Mathison, a agente bipolar da CIA vivida por Claire Danes em “Homeland”, foi criada há quase dez anos como um reflexo do estado mental esfacelado e paranoico dos EUA pós-11 de Setembro. E prova de que Rust Cohle de “True Detective” estava certo, e o tempo é um círculo fechado, a protagonista parece ter sido pensada especificamente para o caos polarizado e fragmentado do mundo atual – em especial, a América de Donald Trump.

Para um cidadão qualquer, já é difícil acordar e lidar diariamente com as notícias sobre interferência em eleição, desmandos despóticos de líderes insanos, assassinatos políticos, fake news, milícias de extrema- direita e a derrocada geral da democracia moderna. Agora, imagine para uma espiã bipolar, de saúde mental extremamente frágil, e uma mania de grandeza de quem se acha responsável por salvar o mundo?

É exatamente isso que tem feito a sétima temporada de “Homeland” – atualmente exibida pelo Fox Premium todo domingo, às 23h – uma das melhores da série. Nela, Carrie descobre que talvez seus remédios estejam perdendo o efeito, e ela pode estar enlouquecendo de verdade. O que é perfeito, porque a sanidade é impossível nos tempos em que vivemos. E, se o mundo está louco, a insana Carrie Mathison é a única pessoa capaz de compreendê-lo e enxergar algum sentido no caos político norte-americano.

Na temporada, a protagonista bate de frente com os desmandos de uma Presidência despótica, da recém-eleita Elizabeth Keane (Elizabeth Marvel). E, com a ajuda do agente do FBI Dante Allen (Morgan Spector), descobre que Elizabeth pode estar envolvida no assassinato de um general da oposição. Enquanto isso, Saul Berenson (Mandy Patinkin) parte para o sul do país numa caça a um radialista reacionário (Jake Weber) e acaba enfrentando uma milícia armada de extrema-direita, sobre quem a razão, os fatos, as leis e as regras não surtem efeito – basicamente a América que elegeu Trump.

Em suas jornadas, Carrie e Saul vão esbarrar na viralização de fake news, na indignação de um povo que não confia em sua presidente, num país polarizado e dividido e na presença da espionagem russa puxando as cordinhas por trás da cortina. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Desde a (bem-vinda) saída de Brody no fim da terceira temporada, “Homeland” tem alicerçado suas tramas nos paralelos com os principais acontecimentos políticos do momento. E, depois de dois anos mornos, nunca deu tanta sorte quanto agora. Porque seu tom hiperbólico, reviravoltas mirabolantes e paranoia geopolítica finalmente encontraram uma realidade à altura.

O que sempre foi uma diversão exagerada soa agora como um assustador – e, muitas vezes, desesperador – comentário sobre a realidade. O episódio mais recente, exibido no último domingo, trouxe a maior reviravolta da temporada até agora – que, em outros anos, poderia gerar risadas, mas desta vez foi um perfeito retrato dos EUA hoje, tendo suas maiores fragilidades exploradas e sendo vítima das mesmas táticas sujas que sempre usou.

E, ciente dessa “responsabilidade” de encontrar algum sentido nesse que talvez seja o momento mais delicado da história política do país, a qualidade dos diálogos (que sempre foram o ponto mais fraco da série) parece elevada. Enquanto Saul tem ótimas cenas em que diagnostica a atual narrativa geopolítica com uma verve de John Le Carré, Carrie reflete o cidadão comum, em busca de respostas imediatas que deem sentido a um país em autodestruição.

E é aí que “Homeland” se diferencia de um “24 Horas” qualquer. Porque Danes e Patinkin elevam cada uma de suas cenas à enésima potência, exibindo no sétimo ano a mesma intensidade e domínio do primeiro – com as boas adições de Weber, Marvel, Spector, Sandrine Holt, Catherine Curtin e Costa Ronin, de “The Americans”. Se a realidade está deixando todo mundo louco, ao menos sua encenação é um antídoto que vale a pena.