Cinema

Uma nova humanidade

Capítulo final da trilogia, “Planeta dos Macacos: A Guerra completa a transição trágica entre homens e símios

Por Daniel Oliveira
Publicado em 03 de agosto de 2017 | 03:00
 
 
Capítulo final da trilogia, “Planeta dos Macacos: A Guerra” completa a transição trágica entre homens e símios FOTOS: Fox/Divulgação

A certa altura de “Planeta dos Macacos: A Guerra”, que estreia quinta (03) nos cinemas, você provavelmente vai se pegar debatendo com o protagonista Caesar (Andy Serkis). Você vai questionar as ações dele e se perguntar por que o personagem está se deixando dominar pelo ódio e pela sede de vingança, repetindo um erro que já havia colocado toda sua tribo em risco. Mas ainda que se frustre com suas decisões, vai sentir empatia pela dor e pela profunda humanidade dele.

E aí, quando se der conta de quão humanas são as falhas de Caesar, você vai se lembrar de que ele é um macaco. Esse é o maior mérito da trilogia iniciada em 2011, com “A Origem”: fazer de Caesar um dos personagens mais complexos e exemplarmente humano do cinema hollywoodiano recente, refletindo em cada falha, cada decisão e cada expressão, aspectos fundamentais de nós mesmos.

O que não vem a ser um acidente ou efeito colateral. O objetivo dessa nova saga sempre foi explicar como os macacos se tornaram humanos e os homens viraram selvagens. E é exatamente esse o processo concluído em “A Guerra”. Apesar de inferior aos dois capítulos anteriores e de não ter o escopo épico de “O Confronto”, o longa do diretor Matt Reeves oferece uma conclusão trágica à trilogia, além de amarrar uma série de pontas com os filmes originais.

“A Guerra” começa com o ataque de um exército humano ao acampamento da tribo de Caesar, que resulta no assassinato da família do protagonista por Coronel (Woody Harrelson) – líder dos soldados. Com seu esconderijo descoberto, o macaco envia os sobreviventes em busca de um novo lar, enquanto parte em busca de vingança acompanhado de seus conselheiros mais próximos.

O filme torna-se, então, um road movie em que Caesar depara-se com os mais recentes desdobramentos do vírus do filme de 2011 – que, após uma mutação, passa a deixar suas vítimas humanas mudas. E descobre o plano de Coronel para sobreviver a isso: construir um muro que proteja seus soldados dos macacos e dos humanos infectados. 

É aí que “A Guerra” revela a dificuldade de se fazer alegoria política em 2017. Se em sua concepção o personagem de Harrelson era uma referência ao Coronel Kurtz de “Apocalypse Now”, que servia como crítica ao pensamento fascista que se prolifera em tempos de crise, a ideia de um líder que deseja um muro construído pelos próprios macacos – a quem ele se refere como “jumentos” – para se isolar do mundo acabou tornando-se um comentário nada sutil a algo que está acontecendo neste momento.

FOTO: FOTOS: Fox/Divulgação
Vilão. Woody Harrelson interpreta Coronel, para muitos um misto do Marlon Brando, de ‘Apocalipse Now’, e Trump


Coronel – cujo nome nunca mencionado reforça a perda de identidade e humanidade que o longa enxerga em seus personagens não símios – representa a resposta do homem branco toda vez que seu poder é ameaçado, seja por mulheres, negros, latinos, gays ou macacos. Ela é violenta, radical, fundamentalista e apela aos recônditos mais inescrupulosos de uma população que se sente acuada. O problema é que, dado o mundo atual, o roteiro de Reeves e Mark Bomback acaba soando pouco sutil, com alguns diálogos pobres ou explícitos demais e personagens esquemáticos (como o macaco Bad Ape, alívio cômico vivido por Steve Zahn) – que, em diversos momentos, tomam decisões forçadas ou pouquíssimo inteligentes.

Ainda assim, “A Guerra” funciona ao confrontar Caesar e Coronel – dois personagens extremamente falhos e complexos, debatendo-se contra os lados mais sombrios de sua humanidade, em duas ótimas atuações de Serkis e Harrelson – e pergunta: qual deles é o mais humano? Qual é o homem que nós queremos ser? Ou mais ao ponto: a evolução final de Caesar é ser humano ou ser melhor? A resposta talvez não seja tão simples ou direta, mas será dada pela natureza – que, como Darwin pontificou, sempre escolhe os mais fortes e espertos.

O curioso disso é que a guerra do título acaba sendo bem mais entre dois homens, ou duas formas de liderança, que entre dois exércitos. Quem for ao cinema esperando uma série de batalhas sangrentas com o escopo do capítulo anterior vai se decepcionar, porque “A Guerra” não é um épico. É uma tragédia sobre como estamos condenados por nossa própria humanidade. A grande sequência de ação do filme é, na verdade, seu momento mais triste porque você vai se pegar pensando: “É assim que nós vamos acabar, destruindo uns aos outros, incapazes de dialogar?”.

O resultado disso é um longa sombrio, de pouca luz, com uma paleta emocional tão dura e impiedosa quanto o inverno enfrentado na tela. Não é agradável nem fácil. Mas a vida também não tem sido. A solução, como o final sugere, talvez seja realmente botar a casa abaixo e começar tudo do zero. De novo. Melhor.