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Veja quem trocou seu espaço na televisão por um canal no Youtube

Nomes conhecidos da TV brasileira têm encontrado na plataforma de vídeos do Google um novo veículo para produzir e exibir conteúdo

Por Laura Maria
Publicado em 19 de novembro de 2017 | 03:00
 
 
A jornalista Maíra Lemos acredita que muitos de seus inscritos no canal vieram de seus perfis no Facebook e no Instagram Magê Monteiro/divulgação

Rosto que ficou conhecido do grande público nos anos 70 e 80 como apresentadora do “Jornal Hoje”, da Rede Globo, e do “Sem Censura”, da TV Brasil, por 21 anos, Leda Nagle, 66, enxergou no YouTube a oportunidade de continuar atuando como jornalista após ser demitida. Inscrita na plataforma desde janeiro de 2016, a mineira de Juiz de Fora começou a postar seus vídeos em março deste ano. Seu canal já soma quase 50 mil inscritos. “Eu já estava com vontade de criá-lo, por isso já tinha me inscrito. A demissão do ‘Sem Censura’ provocou a ideia de ir para o YouTube. Trabalhando na emissora, não tinha tempo para produzir, editar e postar vídeos”, conta.

Maíra Lemos, 35, também é outro nome da TV que migrou para a rede social. Depois de mais de dez anos trabalhando na TV Globo, seis deles dedicados à reportagem e à apresentação do “Globo Esporte”, ela pediu demissão, em setembro, para lançar um canal no YouTube. Em pouco mais de um mês, já soma quase 20 mil inscritos. Nele, publica vídeos em que relata histórias de pontos icônicos de Belo Horizonte, como a praça Sete, o edifício Acaiaca e a serra do Curral. “Essa ideia sempre existiu em mim desde que estudava jornalismo, mas sempre trabalhei em várias emissoras e tinha que me adaptar a elas. Senti que estava na hora de arriscar. Não foi uma decisão fácil, mas me preparei para isso”, conta Maíra.

É inegável que a internet tem se consolidado como uma ferramenta para a produção e o consumo de conteúdos. E a migração de nomes já conhecidos do público para a plataforma de vídeos do Google tem sido uma tendência. Mas não é apenas a mudança de formato que tem atraído esses profissionais da TV. Os números da rede social são sedutores. Segundo a pesquisa YouTube Insigths 2017, divulgada em julho deste ano, 98 milhões de brasileiros estão conectados à rede, e, em dois anos, a plataforma ganhou 35 milhões de novos usuários.

A pesquisa aponta ainda que o país ocupa o segundo lugar do mercado em horas de vídeo assistidas: o brasileiro passa cerca de uma hora por dia vendo conteúdo da rede social. O YouTube chegou, inclusive, a superar a audiência da TV a cabo. Enquanto 37% da população consome conteúdo proveniente de emissoras por assinatura, o número sobe para 42% de pessoas que assistem a vídeos na rede.

Dois lados

Mas há aqueles que se aventuram no YouTube sem deixar a TV. Rafael Cortez, 41 – repórter do “Vídeo Show”, da Globo, e dono do canal Love Treta –, é um exemplo. O ex-“CQC”, diz que em 2012 passou a entender o fenômeno que era o YouTube. Dois anos depois, começou a pensar em um projeto para a rede social. Após várias tentativas e até a produção de um programa piloto “horrível”, inaugurou em janeiro de 2016 o Love Treta, canal em que dá dicas de relacionamento e faz entrevistas. “Sou de uma época em que os comunicadores da TV prezavam muito pela liberdade. Hoje, essa liberdade absoluta só existe no YouTube”, diz.

Daniella Zupo, 44, também chegou a criar um canal homônimo no YouTube sem pretensão, mais para “testar essa conexão”. Na época, a jornalista mineira estava à frente do “Agenda”, programa da Rede Minas em que trabalhou por quatro anos, e usava o canal para publicar as matérias que iam ao ar na emissora. Quando, em 2015, descobriu-se com câncer, lançou um novo olhar para a plataforma. Criou a websérie “Amanhã Hoje É Ontem”, em 2016. Quando a série de oito episódios chegou ao fim e com a doença superada, Daniella não quis voltar para a TV. Em vez disso, lançou outra websérie no canal, a “Meus Discos, Meus Livros e Nada Mais”, em que faz entrevistas e compartilha sua opinião sobre produções diversas.

O investimento em publicidade na internet deve superar pela primeira vez o da TV aberta em 2017, segundo dados divulgados no ano passado pela empresa de pesquisa de mercado ZenithOptimedia. “Em verbas publicitárias, isso já é um movimento”, aponta Fernanda Medeiros, doutoranda pela UFMG que estuda a relação entre celebridade e público no Instagram. Ela diz ainda que é cada vez mais esperado que o profissional que esteja na TV também vá para o YouTube. “Não é determinante, mas esse movimento é crescente, até mesmo porque a celebridade tem essa característica dúbia. Nas redes sociais, existe uma proximidade, temos a sensação de que quem nos fala é gente como a gente”.

 

Iniciativa requer investimento

Produzir um canal no YouTube requer investimento. Por mais que não seja necessário pagar alguma quantia ao Google para ter um canal, é preciso dispor de recursos básicos para a produção de um vídeo, como uma câmera filmadora de boa qualidade – atualmente, muitos celulares são produzidos para filmar em HD –, além da contratação de um serviço de edição de vídeo.

Para que o conteúdo alcance o maior número de pessoas possível, ainda é preciso patrociná-lo em redes sociais, como no Facebook ou no Instagram.

Rafael Cortez, por exemplo, afirma que são feitos investimentos publicitários semanais no canal Love Treta, proveniente de um montante que vem da rede de canais do YouTube, Snack. Enquanto o humorista fica responsável pela parte criativa – que envolve, por exemplo, produção de entrevistas e criação de roteiro –, a empresa se ocupa da parte burocrática, como com fornecimento de materiais e investimentos em anúncios.

“Eu não ganho nada com o canal, mas ele virou uma janela para que eu ofereça meus outros produtos. Eu tenho, por exemplo, outro canal no YouTube, o Amanhã Tem Mais, da Caixa Seguradora. E eu só o consegui por causa do Love Treta”, pontua o humorista.

Valores. Terence Machado acredita que tenha gastado, junto dos jornalistas Fernanda Ribeiro e Rodrigo James – que apresentam com ele o “Esquema Novo” –, cerca de R$ 2.000 com equipamentos como tripé, luminárias e microfones. Machado já tinha em mãos boas câmeras, e ele se divide com James na edição de vídeo. Todos os meses, o trio desembolsa cerca de R$ 150 para patrocinar os vídeos nas redes sociais. “Há um ano e meio, quando inscrevemos o canal, trabalhávamos com a Imago Filmes e não pagávamos nada. Mas isso gerava um custo para a produtora. Então, passamos a gravar no apartamento da Fernanda”, afirma.

O YouTube paga entre US$ 0,60 e US$ 5 a cada mil visualizações. Esses valores, porém, podem variar, já que o Google não revela o algoritmo de contagem. Além do mais, o YouTube leva em consideração critérios como número de seguidores de um canal e engajamento nas redes sociais.

Relação com o público

A jornalista Maíra Lemos levou um susto quando foi pedida em casamento por um seguidor de seu canal e sentiu-se recompensada quando recebeu o relato de um morador de Belo Horizonte que dizia ter desistido de se mudar da cidade após ter assistido a um de seus vídeos. Esse é um exemplo de como a relação com o público se transforma depois que alguém sai da posição de apresentador de TV para a web.

No caso de Maíra, o contato com o público começou bem antes de ela se inscrever no YouTube. A jornalista acredita que muitos de seus inscritos no canal vieram de seus perfis no Facebook e no Instagram. “Eu percebo que há muitas mulheres acompanhando meu trabalho. Meu objetivo nunca foi ter 1 milhão de seguidores. Se tivesse seis inscritos, e conseguisse influenciá-los, já estaria feliz”, diz.

À frente do “Esquema Novo” ao lado da jornalista Fernanda Ribeiro e do publicitário Rodrigo James, Terence Machado avalia que o público que o acompanha no canal é a soma dos telespectadores do “Alto-Falante” e do “Agenda” (que já foi apresentado por Fernanda), ambos programas da Rede Minas. “É mais gente de BH e de 30 anos em diante. Não adianta tentar falar com adolescente porque não é o nosso público”, diz Machado.

Emissoras da TV aberta também investem na rede

E quem pensa que esse movimento vem exclusivamente dos artistas engana-se. De olho na audiência crescente da internet, as emissoras também têm investido em conteúdo online, como a Rede Globo e a Record TV. A primeira lançou o Globo Play, serviço de streaming onde é possível assistir ao conteúdo transmitido pela emissora e outros produzidos exclusivamente para a web pagando R$ 14,90 por mês. Já a Record TV criou a ACLR (lê-se “acelere”) com o objetivo de ampliar o conteúdo da emissora para a internet. A empresa hospeda canais do YouTube de personalidades da Record, como os de Xuxa, Sabrina Sato, Ana Hickmann e Ticiane Pinheiro.

Superintendente de estratégia multiplataforma da Record TV, Antonio Guerreiro avalia que o maior desafio enfrentado ao se produzir conteúdo para internet em relação à TV diz respeito à adaptação da linguagem. “O respeito à especificidade de cada plataforma é a chave para a produção de conteúdo. Hoje, todos os nossos formatos são criados pensando especificamente em cada ferramenta de distribuição”, afirma. Sem entrar em detalhes sobre a monetização do conteúdo virtual, Guerreiro afirma que “existem regras de negócio específicas variando de acordo com o formato publicitário e a plataforma em que a ação é exibida”.

Novidade. Em março deste ano, o Google lançou o YouTube TV, que funciona como uma espécie de TV por assinatura da internet. Pelo valor de US$ 35, é possível adquirir o serviço, que pode ser cancelado a qualquer hora. Dentre os canais de TV disponíveis na rede estão Fox e NBC. O serviço, no entanto, ainda não está disponível no Brasil.

Desafios e críticas. A TV exige certos padrões, como postura e empostação da voz. Em frente às câmeras, os profissionais precisam interpretar um personagem. No YouTube, a lógica muda. E é exatamente isso que configura o maior desafio de para um apresentador. Leda Nagle, por exemplo, afirma que precisou se reinventar ao criar o canal no YouTube. “Seria mais fácil ficar na minha, com as coisas que eu já sei. Mas, a cada dia, eu aprendo a lidar com o novo”, afirma.

Retorno. A crítica é algo com o qual os novos Youtubers precisam se acostumar. “Na internet, a resposta é imediata. Erros e acertos são apontados instantaneamente. Essa é a diferença da TV aberta, em que as críticas demoravam mais tempo para chegar”, diz o jornalista especializado em TV, Flavio Ricco.