“Mais Forte que o Mundo”

Vítima de uma direção indomável 

Potencial da história do lutador José Aldo é minado por exageros de realização

Por Daniel Oliveira
Publicado em 16 de junho de 2016 | 03:00
 
 
Gabriel Matarazzo / Downtown / Divulgação

O mais frustrante de “Mais Forte que o Mundo” é que a história de José Aldo é boa, a típica narrativa do filme de boxe (levada para o UFC) do sujeito violento exorcizando seus fantasmas no ringue. O elenco é bom. O universo tem apelo comercial. E o diretor Afonso Poyart pega isso tudo e, em vez de “Touro Indomável”, faz um clipe do CPM 22.

Em vez de se render ao poder da história, e deixar que ela ocupe o centro da tela, o cineasta quer chamar atenção para sua realização. Ele confunde contar uma trama visualmente com ostentar um pretenso estilo. Só que seu (excesso de) estilo acaba minando o que o filme, que entra em pré-estreia hoje, tem de melhor.

O roteiro acompanha Aldo (José Loreto) desde sua juventude, um tanto perdida, numa Manaus onde todos têm sotaque carioca. Para fugir da sombra do pai José (Jackson Antunes), alcoólatra abusivo que espanca a mulher Rocilene (Cláudia Ohana), o protagonista vai para o Rio em busca de uma chance como lutador. Ali, ele conhece o treinador Dedé (Milhem Cortaz), que o ajuda a domar sua agressividade, conduzindo-o ao topo do UFC.

Antunes e Ohana estão excelentes como os pais do protagonista, e a relação de Aldo com os dois é a espinha dorsal do filme. Só que Poyart nunca realmente explora o potencial dramatúrgico desse conflito (as brigas de José e Rocilene não têm diálogo, só trilha). Com um roteiro, dele e de Marcelo Rubens Paiva, que é um amontoado de frases feitas, e uma encenação pobre, o diretor não deixa as cenas respirarem e tenta resolver tudo com simbolismos óbvios, inferiores ao que a história real oferece, intercalados numa montagem videoclíptica.

Tudo em “Mais Forte que o Mundo” é uma montagem. O treino de Aldo é uma montagem. A decisão de ir para o Rio é uma montagem. Seu emprego como atendente de lanchonete é uma montagem. E para dar alguma emoção a elas, já que a dramaturgia é capenga, Poyart pega pesado na trilha musical exagerada – que vai, literalmente, de Ennio Morricone a Lorde.

O excesso de edição prejudica também as cenas de luta, em que o diretor insere flashes que explicitam desnecessariamente os fantasmas familiares exorcizados por Aldo. O maior problema delas, porém, é o abuso da câmera lenta, que não só faz Poyart parecer um Zack Snyder brasileiro, mas tira todo o impacto da violência que é a principal característica do esporte.

Comparados com a elegância estética e a eficiência narrativa das lutas do recente “Creed”, os confrontos de “Mais Forte” parecem uma propaganda baranga de Whey Protein, com o endeusamento homoerótico dos corpos típico do esporte. O diretor ainda faz algumas escolhas narrativas difíceis de entender, como omitir o final de uma das principais lutas de Aldo, cortando direto para a comemoração que a seguiu. E o combate escolhido para encerrar a história – ingrediente tradicional do gênero, em que o protagonista redime tudo e todos num momento triunfal – apesar do fator pessoal para Aldo, carece de suspense ou reviravoltas.

Com isso, “Mais Forte” é carregado nas costas por seu bom elenco. Apoiados na universalidade da narrativa de superação de Aldo, eles são responsáveis pelos poucos momentos em que o filme deixa de tentar ser algo que não precisa ser, e decide simplesmente contar uma história. O flerte de Aldo com a namorada Viviane (Cléo Pires) são as únicas cenas em que Poyart parece deixar o longa respirar.

Existe algo muito sombrio e muito complexo que faz alguém subir em um ringue e encarar o risco de morte e o nível de violência a que esses atletas do UFC se submetem. Em “Mais Forte que o Mundo”, Poyart falha tanto ao investigar que motivo é esse quanto no retrato dessa violência. José Aldo merecia mais.