Coronavírus

Picadeiro em crise: artistas de circo convivem com incerteza durante pandemia

Grupo conta com doações para sobreviver; nem live é solução

Por Lucas Henrique Gomes
Publicado em 29 de abril de 2020 | 03:00
 
 
Circo Cristiane Mattos

Respeitável público, o circo parou. Assim como outras atividades pelo mundo, os picadeiros interromperam suas atividades e vivem com a incerteza de quando reabrirão. Os responsáveis pelos circos estão recebendo doações das comunidades vizinhas e não conseguem planejar os próximos meses. De imediato, nem mesmo as transmissões ao vivo, tão utilizadas por artistas famosos, têm salvado as finanças. 

Sem apresentações desde o dia 16 de março, o circo Castelli, que pertence à família do ator global Henri Castelli, está parado em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, com cerca de 25 artistas. Maurílio Lincoln, um dos responsáveis pelo picadeiro, já admite que sua atividade vai ser uma das últimas a voltar à normalidade. “O problema maior vai ser quando for voltar. A gente está esse tempo todo parado, com certeza vai gastar o que tem e pegar o tanto de crédito que o banco liberar nesse período, sem previsão de pagamento com banco. Fora as dívidas que já tinha e tentou adiantar algumas porque sabia que ia ficar parado, então vamos esperar pra voltar. A gente tem que contar com algum apoio do governo, alguma linha de crédito pra isso acontecer. Que seja para parques, circos itinerantes, que não são tão lembrados”, disse.

Sobre as lives, Maurílio disse que não foi feito nada nesse sentido porque toda a estrutura está desmontada, já que não haveria motivos para manter as lonas levantadas sem a presença do público. A mulher dele, Flávia Lincoln, disse que todos os artistas estão isolados e que apenas uma pessoa do grupo sai do local para resolver pendências. “Está sendo um tédio, a gente não está acostumado a ficar isolado”, declarou. 

Para distrair as crianças, o jeito tem sido ensinar novos truques, como malabares e números como os de equilíbrio em tecidos. “A gente sente falta da população, dos aplausos, do sorriso de uma criança. Tem vontade de viajar, de conhecer novas pessoas, novos lugares... disso que a gente está sentindo falta mesmo”, lamentou Flávia. Pelas redes sociais, um grupo de moradores se mobilizou e conseguiu arrecadar alimentos e produtos de higiene para o grupo circense. 

Do lado de fora dos trailers, uma van com a foto de Henri Castelli aponta para o “circo das estrelas” com apresentações diárias às 20h, mas há 42 dias o público não responde com “tem, sim, senhor” à famosa pergunta se “hoje tem espetáculo?” entoada no início de cada show.

Já o responsável pelo circo Estoril Brasil, Nivaldo Júnior, disse que está com a estrutura parada na cidade fluminense de Itaguaí com 63 pessoas depois de se apresentarem pela última vez em 15 de março. O picadeiro, que tinha um público mensal de 10 mil pessoas e arrecadava até R$ 70 mil no mesmo período, disse que não consegue planejar como serão as coisas nas próximas semanas por não saber quando a quarentena vai se encerrar. Em relação às transmissões ao vivo, Nivaldo Júnior afirmou que conhecidos de outros circos fizeram o teste, mas acabaram amargando mais um prejuízo. “Amigos nossos já tiveram essa ideia de fazer o espetáculo online, fizeram e ficaram no prejuízo. Mesmo na transmissão a gente tem custos e, infelizmente, não foi legal, eles não tiveram retorno, ficaram no prejuízo. Não cobriu o custo para fazer a live”, disse. Também sem a única fonte de renda, que é a bilheteria, os artistas do Estoril Brasil têm recebido doações de moradores. 

Reinvenção

Depois de dedicar quatro décadas às artes circenses, Waldir Braga decidiu encerrar as atividades meses antes da pandemia por problemas de saúde na família. Sem se distanciar dos amigos de profissão, Braga entende que é hora de o circo se reinventar. “Eu tenho visto algumas lives, mas é hora de fazer algo diferente. Todos são a mesma coisa, a linguagem precisa se renovar”, disse. 

Em relação à inviabilidade financeira das transmissões ao vivo, Braga vê os patrocínios como uma das poucas alternativas de salvação. “Boas empresas que possam patrocinar e ter outros projetos são as outras formas de garantir dinheiro. Quem vive só da bilheteria é difícil. Tem que arrumar o lugar (para montar a lona), divulgar, fazer o espetáculo; não é fácil para o cara do circo, ele precisa trabalhar dobrado e com pouco reconhecimento, investe tudo que tem no dia de amanhã”, disse. 

Apelo

Recentemente, pelas redes sociais, Tirulipa, filho do palhaço e hoje deputado federal Tiririca (PL-SP), pediu apoio para os circos pelo país. “Sou filho do circo e é em nome do circo que queria fazer um apelo para você, prefeito, e para os governantes deste país. Olhem mais para o circo, pelo amor de Deus, seja ele grande ou pequeno. Ajudem as famílias circenses. A situação está precária, e a gente precisa do apoio. Precisamos muito que a arte circense seja incluída em qualquer ação de apoio à cultura”, pediu.