O modo como as relações de poder criam comportamentos singulares entre as pessoas sempre chamou a atenção do jovem escritor Miguel Pincerno, 27. "Observar como o tratamento que as pessoas dão e o valor que é dado a alguém muda por conta de sua posição hierárquica em uma empresa, por sua fama, por quanto dinheiro tem, é algo fascinante", diz ele, que, ao estruturar seu livro de estreia, pensou em justamente ter esse tema como argumento norteador. Mas não só. O paulistano também quis abordar a influência da religião, que, para ele, é ambiente no qual essas estranhezas (comportamentais) são levadas ao extremo, "dado o contexto em que estamos neste momento no Brasil". Nascia, ali, "Religião e Outras Insanidades" (Editora Oficina Raquel), que marca a estreia dele no mercado editorial.
Sendo temas que lhe interessam já há um tempo, Miguel revela que sim, já tinha alguns escritos que os abordavam. "Mas também incluí algumas histórias novas". Ao todo, o livro reúne nove contos, como "E.A.", que abre os trabalhos. "Esse, escrevi quando viajava por uma cidade do interior da Paraíba. Já era bem tarde, e tudo que era comércio já estava fechado, exceto dois estabelecimentos bem próximos um ao outro: uma igreja evangélica e um boteco. Em outra ocasião, a mesma cena se repetiu em uma viagem numa cidade do litoral paulista. Acabei percebendo: esses dois estabelecimentos são concorrentes. E 'E.A.' surgiu desta constatação", narra.
Já "Dona Trindade", ele destaca como uma homenagem aos encontros aleatórios da vida e como eles definem nosso futuro. "Um grande amor da sua vida pode aleatoriamente sentar ao seu lado no trabalho, como você também pode passar a vida toda sentindo que não se encaixa no mundo por falta de encontros valiosos, significativos".
Livro lançado, Miguel conta estar muito feliz com o rumo que a obra está tomando. "É incrível perceber a multiplicação de sentidos que é dada aos contos quando pessoas com outras histórias e vivências os leem. Mas imagino que ainda há um bom caminho a ser percorrido, pessoas a serem apresentadas ao livro. Os temas dos contos, relações de poder e religião, conversam muito com o nosso momento", opina.
Perguntado se a pandemia frustrou seus planos de um lançamento presencial, Pincerno reconhece que adoraria ter tido a oportunidade de lançá-lo e divulgá-lo em situações que permitissem o encontro com outras pessoas. "Mas a vida simplesmente acontece inevitavelmente como acontece". Atualmente, Miguel está se dedicando a uma nova história, desta vez em formato de romance. "Sigo todos os dias em casa, então a quarentena me deu tempo para conseguir me dedicar a alguns projetos. Porém, a falta de vivências novas e diferentes fora de casa, além da realidade trazida pela pandemia, que é fúnebre, egoísta, com a constante ameaça de morte, própria ou de familiares; está tornando o processo de escrita bem diferente pra mim. Com certeza isso acabará se refletindo no texto de alguma forma", aventa.
Em tempo: além da dedicação à escrita, ele trabalha como gerente de marketing no Google. E nas horas vagas, segue devorando obras de outros autores, entre eles, seus favoritos: "Machado de Assis, sempre, e, dos em atividade, a argentina Samanta Schweblin".