Entrevista

Sérgio Britto fala de show solo em BH, 40 anos dos Titãs e ditadura

Cantor e compositor toca na capital mineira nesta sexta (6) e, no formato piano, violão e voz, mostra canções da banda e de sua carreira solo

Por Bruno Mateus
Publicado em 04 de maio de 2022 | 09:52
 
 
Sérgio Britto é membro fundador dos Titãs e um dos principais letristas da banda Foto: Team FilmMakerBR/Divulgação

“Se você vier à minha casa, vai ver que tenho um piano e um violão bem ao lado. Eu uso um e outro”, comenta Sérgio Britto logo no início da entrevista. O cantor e compositor, membro fundador dos Titãs e figura por trás das letras de algumas das músicas mais conhecidas da banda, falava sobre seu processo de composição. Entre um instrumento e outro, Britto vai descobrindo atalhos e criando canções.

“É um processo, realmente. No piano você tem uma clareza para compor, para enxergar a melodia e todas as possibilidades harmônicas mais facilmente. O piano é muito versátil, um instrumento ótimo para composição”, ele começa a dizer. “Quando a música tem uma pegada mais forte, faço no violão. Mas, na maioria das vezes, pulo de um para o outro”, arremata.

Como em sua casa, piano e violão estarão lado a lado no palco do Cine Theatro Brasil Vallourec, onde Sérgio Britto se apresenta nesta sexta-feira (6). Em Belo Horizonte (detalhes no fim da matéria), o músico mostrará versões de faixas dos Titãs compostas especificamente para o piano, como “Epitáfio”, “Enquanto Houver Sol” e “Porque Eu Sei Que É Amor”, além das clássicas “Homem Primata” e “Flores”.

O hit “Comida” terá a companhia do violão. “Adaptei para um violão só. Começo com o riff, faço uma levada mais suingada”, pontua. “Marvin” surge numa releitura inédita: “Fiz uma transcrição do arranjo para o piano. Faço a linha de baixo no piano de uma maneira que nunca havia feito”.

No show que desembarca em breve na capital mineira, Sérgio Britto diz que se coloca mais como um cantor e compositor do que propriamente um instrumentista, embora toque piano e violão todo o tempo. “Não é meu foco me mostrar como um virtuoso, os instrumentos são mais ferramentas para expressar o que eu sinto”, pondera. Da carreira solo, o público de BH confere “Epifania”, título de seu álbum mais recente, lançado em 2020, “Se Agora For Tarde” e “Purabossanova”, que dá nome ao disco de 2013.

Poder viajar com seu show não é lá uma oportunidade que acontece com frequência. Os compromissos dos Titãs ocupam a agenda do músico, que naturalmente acaba priorizando as apresentações com os companheiros Tony Bellotto e Branco Mello, remanescentes do grupo que um dia teve Arnaldo Antunes, Nando Reis, Charles Gavin, Paulo Miklos e Marcelo Fromer (1961-2001) no mesmo palco. Quando houver brecha, agora que a pandemia está mais branda, Sérgio Britto fará suas apresentações em teatros Brasil afora.

O cantor e compositor, membro fundador dos Titãs e figura por trás das letras de algumas das músicas mais conhecidas da banda, falava sobre seu processo de composição. Entre um instrumento e outro, Britto vai descobrindo atalhos e criando canções. Confira o vídeo pic.twitter.com/tSG6vn7sx9

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“Os Titãs têm uma avalanche de solicitações de shows, é difícil concorrer com isso, mas temos conversado para equilibrar um pouco mais. Vou fazendo aos poucos, do jeito que posso, na medida do possível em ocasiões especiais”, observa o compositor, que, em março, lançou três canções nas plataformas digitais: “Serial Lover”, “El Cuerpo de Lenin” e “La Exhumacion de Neruda”.

É na carreira solo que Sérgio Britto pode dar vazão a outras influências que não o rock, norte dos Titãs desde 1982. Ser classificado apenas como roqueiro não interessa ao cantor. A sofisticação harmônica e melódica da bossa nova encanta Sérgio desde criança. O pop e a MPB também estão ali na gaveta de interesses do compositor. “Essa liberdade artística de ter os Titãs e poder fazer outras coisas na carreira solo é o que me move”, ele diz.

Durante a infância, Sérgio Britto, muito envolvido com as artes plásticas, acreditava que seria pintor. Foi na adolescência, em meados dos anos 1970, que ele conheceu os Beatles. O disco “Help!”, de 1965, entrou na cabeça do garoto como um furacão. Era aquilo que ele sempre procurou, de certa forma.

O impacto foi imediato e duradouro: “Encontrei algo típico da adolescência: vitalidade, energia, vontade de fazer coisas diferentes, frescor. Era tudo o que os Beatles e o rock, e anos depois o punk rock, representavam para mim e para a nossa geração de bandas brasileiras”.

40 anos de Titãs: disco de inéditas e uma possível reunião

Os Titãs, um dos grupos mais interessantes e importantes do rock nacional, são filhos dessa mistura entre rock ‘n’ roll, punk e new wave. A banda, responsável por lançar álbuns icônicos como “Cabeça Dinossauro”, “Õ Blésq Blom” e “Titanomaquia”, completa 40 anos de estrada em 2022. Sérgio Britto, Tony Bellotto e Branco Mello planejam lançar um disco de inéditas até dezembro para mostrar que estão em plena atividade. O trio tem 15 músicas no bolso ainda em versões embrionárias. A partir deste mês, eles pretendem começar a gravar.

O que pode pintar por aí em comemoração aos 40 anos da banda é uma reunião histórica com toda a turma que já passou pelos Titãs: “Sempre fica a expectativa (por um show), seria um reencontro bonito, mas não é fácil, são muitas agendas, interesses diferentes, mas acho que vamos conseguir. Se não sair agora, que seja pelo menos no ano que vem”.

Golpe no Brasil e no Chile

Sérgio Britto é filho do ex-deputado federal e ex-ministro do Trabalho e Previdência Social do governo de João Goulart (1961-1964), Almino Monteiro Álvares Afonso. Crítico ferrenho da ditadura militar, Almino teve de deixar o país após o golpe de 1964. Sérgio passou a infância no Chile.

Longe do Brasil, ele viu outro golpe atravessar seu destino quando o ditador Augusto Pinochet toma o poder naquele 11 de setembro de 1973. Poucos meses depois, Almino e família voltaram ao Brasil. A redemocratização veio em 1985. Agora, quase 40 anos depois, Sérgio Britto se choca ao ver manifestações que pedem intervenção militar e escancaram o apoio ao AI-5, o Ato Institucional mais duro da ditadura. “É um absurdo total”, opina.

Para o músico, o fato de o Brasil não ter julgado e responsabilizado os militares pelos crimes e pelas violações de direitos humanos cometidas entre 1964 e 1985 contribui esse tipo de pensamento ainda encontre ecos na população em pleno 2022. “Faltou colocar em pratos limpos, atribuir culpa”, enfatiza o compositor.

Mas não só isso. O comportamento do presidente Jair Bolsonaro, segundo Sérgio Britto, é um sinal verde para que delírios antidemocráticos habitem as mentes de setores da sociedade: “O discurso dele é todo nesse sentido. Ele trata um torturador como herói nacional. As pessoas parecem não ter noção do peso que isso tem. Bolsonaro é uma figura indigna do cargo que ocupa”.

Programe-se

O cantor e compositor Sérgio Britto faz show solo em Belo Horizonte nesta sexta-feira (6), às 21h, no Cine Theatto Brasil Vallourec (rua dos Carijós, 258, Centro). Os ingressos custam R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia-entrada) na bilheteria do teatro ou no site da Eventim.