Talvez você não saiba, mas aquela música com rimas e batidas eletrônicas que você ouviu no Spotify ou no YouTube recentemente é um trap, subgênero do rap que, no Brasil, começou a movimentar o cenário pop com mais força a partir de 2017, embora tenha surgido um pouco antes, por volta de 2013. O gênero no país – que tem entre seus principais nomes o músico belo-horizontino Sidoka – tem seu crescimento constatado pelo próprio Spotify. De 2016 ao primeiro semestre do ano passado, o consumo de trap brasileiro na plataforma cresceu 61% por ano.

Criado em Atlanta, nos Estados Unidos, no início dos anos 2000, o trap é essencialmente jovem – feito por homens e mulheres de vinte e poucos anos para um público geralmente da mesma idade. Hoje, quem faz as vezes do que o rock foi para a juventude brasileira dos anos 80 e 90 é o rap, o funk… e o trap. O subgênero musical traz consigo um jeito próprio de falar e de se vestir, e as letras versam sobre sexo, drogas, festas, dinheiro, violência, racismo, desigualdade social e ascensão de pessoas periféricas por meio da música e da arte. Rimas, batidas eletrônicas graves, sintetizadores, muitos efeitos de voz, timbres dançantes e melódicos dão o tom desse estilo cada dia mais popular no Brasil.

“O trap canta muito sobre a vitória de quem estava na derrota. Minha música trabalha a autoestima da pessoa”, afirma Sidoka, 21. Cria do aglomerado da Serra e uma das referências do trap no Brasil, ele diz ser influenciado e, de certa forma, encorajado pelos norte-americanos Young Thug e Gucci Mane. Em dezembro de 2018, o artista lançou “Elevate”, seu disco de estreia. “Decidi que só ia fazer trap. Combina comigo, com meu jeito de ser. Relato muito do que vivo e tento tirar uma parte positiva de tudo”, diz.

As dezenas de milhões de seguidores e visualizações de músicas e clipes nas plataformas digitais também são marcas que os trappers ostentam em comum. “Máquina do Tempo”, álbum do cearense Matuê, 27, lançado em setembro, bateu recordes e levou o título de melhor estreia de todos os tempos no Spotify Brasil, superando Lady Gaga e Anitta.

Para o artista, um dos trunfos do trap é ter uma conexão natural com o jovem, que se sente representado nas letras, na estética do gênero e na atitude dos músicos. “O estilo é composto por artistas de personalidades fortes, a galera não tem medo de bater de frente, de falar o que pensa, de ser quem é”, pondera.

Parcerias em vários estilos

A versatilidade do trap brasileiro também é um dos motivos que explicam esse recente boom. O parentesco mais óbvio é com o rap, mas o gênero tem uma relação muito próxima com o funk, dialoga com o pop a todo momento, busca influências na música eletrônica internacional e vez ou outra pode estar junto com o reggaeton. O DJ e produtor capixaba WC no Beat, 25, é um dos que misturam trap e funk, mas também vai além.

Para seu disco mais recente, “Griff”, que tem mais de 30 participações especiais dos mais variados estilos, ele gravou com Djonga, Anitta, Vitão, Dilsinho, Ludmilla e MC Zaac. Em 2018, ele já tinha experimentado essa miscelânea no disco “18K”. “Procuro pensar fora da caixa. O Brasil tem uma cultura muito diversa, a gente pode misturar trap, funk, samba, pop, internacional”, avalia WC.

E se o estilo é jovem, ele carrega as marcas de seu próprio tempo. Como se fosse uma metáfora do lifestyle de quem consome a música, o trap é, muitas vezes, consequência da tecnologia e da internet – da cultura dos streamings, da troca de informações artísticas por smartphone e da completa inexistência de barreiras geográficas. Hoje, em cidades diferentes, um DJ produz um beat em casa, e o parceiro põe a letra a milhares quilômetros de distância.

Aquela história de precisar de uma gravadora ou de um estúdio para registrar seu trabalho já era. “O jovem que é interessado por música pega um computador, abre um programa e aprende a fazer um beat. Esse lance da democratização da informação também influencia a música”, acredita Matuê.

De norte a sul, cena é rica e diversa

A gênese é norte-americana, mas já é possível dizer que o trap no Brasil tem linguagem e características próprias. Uma unanimidade entre os artistas é que figuras de diversas regiões têm despontado no cenário brasileiro, fazendo com que o tão falado eixo Rio-São Paulo perdesse o protagonismo exclusivo no mapa – agora, sobretudo com a internet e com a possibilidade de gravações caseiras, essa centralização é coisa do passado.

Cada região tem sua identidade, seu traço. “Uso gírias mineiras, e muitas pessoas daqui se identificam com isso. No Rio, acontece a mesma coisa, cada Estado dá uma diferenciada no trap, e cada um faz do seu jeito”, destaca Sidoka.

“Os artistas, hoje, conseguem ficar com sua cultura, seu sotaque e ter relevância. Isso engrandece a cena como um todo, e a internet é um facilitador, sem dúvida”, pondera o produtor e beatmaker Papatinho, que também une trap e funk em seus trabalhos.

Para WC no Beat, o trap é uma linguagem de expressão da juventude e da periferia, mas está longe de viver seu auge: “A parada está evoluindo, mas é só o começo. Ainda vai evoluir e dominar tudo”, conclui.