Antes de começar a ler a matéria, faça um rápido exercício mental: tente se lembrar se você já viu um idoso em alguma praça jogando damas, conversando com um companheiro ou simplesmente contemplando o tempo passar. Talvez algumas imagens vieram à sua cabeça.

Agora, imagine quantos desses idosos eram mulheres – não vale a Velha Surda, da “Praça É Nossa”, que, por sinal, é interpretada por um homem, o humorista Roni Rios. Esse, sim, deve ter sido um exercício um pouco mais difícil. Isso, porque é realmente raro existirem as “velhas da praça”. 

Durante uma incursão feita pela reportagem por alguns desses espaços públicos, tanto em Contagem quanto em Belo Horizonte, não foi avistada sequer uma idosa descansando ou dando comida aos pombos. Por outro lado, O TEMPO observou homens de idade, sozinhos ou em grupo, curtindo o tempo livre.

Natalino Rochide, 74, era um deles. Ex-fiscal de pátio do aeroporto da Pampulha, ele tem passado as tardes na praça Sete, no centro de BH, fazendo palavras-cruzadas ou simplesmente jogando conversa fora com quem se senta ao lado dele.

“Eu acompanho a minha neta de 16 anos em um curso, e, como a cidade está muito perigosa, fico aqui até que ela saia”, conta. “E fazer palavras-cruzadas é bom para a mente, né?”, indica.

Tomando uma latinha de cerveja enquanto observava de longe o filho brincar, Marcílio Martins Rodrigues, 60, costuma frequentar a praça Marília de Dirceu, no Inconfidentes, bairro de Contagem onde mora há 53 anos. “Eu sempre venho aqui, conheço todo mundo, inclusive aqueles ali”, diz, apontando para um grupo de quatro homens sentado do outro lado da praça.

Sem trabalhar há um ano e meio, o motorista de ônibus conta que, na pracinha, gosta tanto de conversar com os colegas quanto de ficar sozinho “tomando uma cervejinha para relaxar”.

Mas, se não estão nas praças curtindo a aposentadoria, onde estão as mulheres idosas, afinal? Provavelmente em casa, tomando conta dos netos ou cuidando dos afazeres domésticos. Dados do IBGE divulgados em 2023 revelaram que as mulheres dedicam ao serviço doméstico ou ao cuidado de pessoas quase o dobro do tempo gasto pelos homens.

Talvez não por acaso, mulheres são mais tristes do que os homens durante quase toda a vida e só se tornam mais felizes do que eles aos 85 anos, segundo pesquisa realizada pelo Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (“NHS”). Um dos motivos apontados pelos pesquisadores é que muitas delas já são viúvas nessa idade.

Em seu consultório, a médica geriatra da empresa especializada em saúde no lar Márcia Pagano conta que é comum observar mulheres idosas que se sentem sobrecarregadas com os afazeres domésticos.

“Essa sobrecarga pode afetar tanto a saúde física quanto a mental, contribuindo para o estresse, a fadiga e o desenvolvimento ou agravamento de condições crônicas”, explica.

“Por isso, nós, como médicos, devemos abordar essas questões durante as consultas, oferecendo suporte e orientações para tentar aliviar a carga de trabalho doméstico e promover um envelhecimento saudável, com qualidade de vida”, aconselha.

Na avaliação da psicóloga clínica Leni Oliveira, continuar os trabalhos de casa estando na velhice é apenas um reflexo de um comportamento adotado ao longo da vida.

“Quando envelhecemos, tendemos a fazer aquilo que sempre fizemos durante a vida, com pequenas mudanças. Não dá para romantizar a vida, acreditando que uma mulher que sempre cuidou vai mudar e começar a curtir a vida (quando ficar mais velha)”, reflete. “Envelhecer não tira de ninguém o estereótipo de gênero. Aprendemos desde crianças que as mulheres são responsáveis pelo cuidado”, sintetiza.

A médica concorda com a psicóloga. “Historicamente, as mulheres têm sido mais ativas no espaço doméstico, executando tarefas como cuidar, limpar e ensinar. Essas atividades são frequentemente desqualificadas e invisíveis socialmente. Parte dessas mulheres acredita que é responsabilidade delas. Isso pode explicar por que muitas idosas continuam a se dedicar a essas atividades mesmo na velhice”, resume. 

Ficar na pracinha é um “rolê” masculino

Leni Oliveira enxerga ainda que os homens vão para as praças “jogar xadrez porque é um ‘rolê’ masculino”. “As mulheres também têm seus ‘rolês’, mas os espaços masculinos e femininos são bem demarcados na sociedade. Muitas continuam trabalhando, algumas ainda se dedicam exclusivamente ao cuidado, mas é comum encontrar mulheres que conseguem ter seus momentos em grupo de forma combinada com o trabalho de cuidado”, assinala.

Fato é que, independentemente da escolha do lugar para um rolê, é importante sair de casa, quando as condições permitem, para manter o corpo e a mente ativos.

“É amplamente reconhecida a importância de se manter socialmente ativos, para promover a saúde mental e também física. Interagir com outros e participar de atividades sociais ajuda a reduzir o isolamento, melhora o bem-estar emocional e ajuda a manter a função cognitiva”, recomenda Márcia Pagano.

É importante também encontrar o que se gosta de fazer ainda na juventude, para uma velhice mais feliz, conforme sugere Leni. “Vou começar com uma recomendação para as mulheres jovens: comecem a fazer o que querem. Quando envelhecemos, tendemos a manter o ritmo de vida. Para as mulheres mais velhas: cuidem da saúde física e mental, façam o que for preciso para ficar bem, e o restante vem. Vocês não precisam mais ser boazinhas, podem se posicionar, falar o que sentem e ainda podem realizar seus sonhos”, finaliza.