Tempero

Autêntico, coentro angaria amantes e detratores 

Com sabor e aroma fortes, planta nem sempre é bem-vinda no prato dos mineiros – mas a rejeição a ela vem diminuindo, segundo chefs que usam a erva em seus preparos

PUBLICADO EM 29/08/14 - 03h00

Alguns ingredientes podem passar despercebidos. Mas há aqueles, como o coentro, que não há como disfarçar. Bastam algumas folhinhas para que a receita recenda a seu aroma forte. De paladar único, que traz ao mesmo tempo frescor e amargor, o coentro costuma dividir opiniões: há os que o adoram e os que não o suportam.

Na opinião do chef Eloi Moreira, quem mora no Sudeste não costuma se dar bem com o coentro, com uma exceção: os mineiros do Norte do Estado, cuja culinária tem influência da Bahia, onde o tempero é rei. Nos cardápios mensais que elabora, ele sempre acrescenta um prato com o ingrediente, mas faz questão de, pessoalmente, ir à mesa do cliente apresentar o prato e oferecer uma alternativa àqueles que não gostam – o formato pequeno do restaurante que administra, o Eloi Bistrô Art Cuisine, o permite fazer isso.

No menu que estreou nesta semana, Eloi incluiu uma canjiquinha com frutos do mar, servida ao pesto feito com a erva e finalizada com brotinhos da planta. “Gosto de usar o coentro bem fresco e, para o pesto, prefiro amassá-lo em um pilão de pedra. Bater no processador não dá certo, porque as folhas escurecem e mudam de sabor. Para manter o frescor, o coentro deve ser macerado. Outra dica é não misturar com alho cru, porque o sabor se potencializa ainda mais”, afirmou. Feito com azeite, castanha-do-pará e sal grosso, o pesto dura até uma semana na geladeira e pode acompanhar outras receitas, como saladas e massas.

Apaixonado pela culinária baiana, o mineiro Matusalém Gonzaga morou no Estado vizinho por uma década. Por lá, descobriu os segredos do coentro, que usa em praticamente todas as receitas que prepara no restaurante que leva o seu nome – com ênfase para o bobó de camarão, “que simplesmente não é bobó se não tiver coentro”, segundo ele. Para o chef, há uma nítida diferença entre o uso na capital e no interior da Bahia. “Em Salvador, vejo uma comida muito menos temperada do que a de fato servida no sertão. Conforme se afasta da costa, o coentro é ainda mais presente, assusta até os soteropolitanos. Em Nazaré, por exemplo, come-se no arroz, no feijão, na farinha e em quê mais estiver no prato”, diz.

Para Matusalém, é o perfume do coentro que faz dele esse criador de polêmicas, responsável por angariar fãs e detratores. “O cheiro do coentro não se mistura com nada, por isso digo sempre que ele tem autenticidade. Basta colocar no prato que o aroma exala pela casa, busca quem gosta pelo ar”, afirma ele.

Geografia. À frente do Alguidares, especializado em cozinha baiana, a chef Deusa Prado já nem sofre mais por causa do ingrediente: abriu mão de incluir o coentro até no carro-chefe da casa, a moqueca. Assim que inaugurou o restaurante, há 18 anos, ela tentou difundir o uso da erva por aqui, mas o paladar dos clientes mineiros a recusava. Para agradar os locais, depois de sucessivos pedidos, foi diminuindo a quantidade até deixar de usá-la na maioria dos pratos – embora algumas receitas ainda tenham toques sutis das folhas, caso da casquinha de siri. “Na Bahia, o tempero básico de qualquer preparo é o coentro, mas ele não combina com o gosto do mineiro. Tive que respeitar isso e adaptar”, diz.

Mas não são só os mineiros. Segundo Deusa, gaúchos, paranaenses e paulistas também não se dão bem com ele. “Já os cariocas não reclamam tanto”, compara. A nutricionista Érika Mafra explica que a maior utilização do coentro em algumas regiões, como o Norte e o Nordeste do Brasil, mas também no Norte da África e Oriente Médio, se deve ao clima: “No cultivo, o coentro se adapta bem em regiões de clima quente e se mostra intolerante a baixas temperaturas”, diz.

Deusa diz que, pela experiência dela, o coentro só é forte quando picado cru por cima dos pratos, à moda baiana. Quando é incluído na receita ainda na panela e cozido durante o preparo, perde potência e pode até sumir no meio do preparo, segundo a chef. Já a sugestão de Matusalém para aqueles que não gostam do cheiro do tempero é usar a versão desidratada e em pouca quantidade. “Isso dá um sabor muito especial aos pratos”, garante ele.

Carpaccio. E se o mais usual é usar o coentro com carnes brancas e frutos do mar, o restaurante Faz de Conta foge do óbvio ao servir o ingrediente como acompanhamento de um carpaccio em seu bufê de saladas. A carne é serenada e descansa por cerca de seis dias antes de ir para a prancha de cerâmica em que é servida, cortada em lâminas finas. No lugar da tradicional mostarda, o molho feito para a carne é a base de folhas de coentro e azeite – e é servido à parte, para que cada um dose a melhor quantidade, de acordo com o gosto pessoal. “O prato é uma homenagem ao Norte de Minas, reunimos os sabores mais tradicionais de lá. O carpaccio é um dos pratos com maior saída no bufê. Por dia, temos que repor até 50 vezes”, diz Fernando Urbano, responsável pelo negócio.

Assim como causa rejeição, porém, o coentro também reúne admiradores. De acordo com Eloi Moreira, quem adora o tempero já chega ao restaurante querendo saber se há pratos com a erva. Para Matusalém, a turma dos que gostam da planta está crescendo. “As pessoas hoje estão mais interessadas em experimentar e se arriscar em sabores que não são familiares. Isso vem naturalmente com a evolução da gastronomia”, diz.

E para quem acha que o coentro é usado só no prato, uma curiosidade: a cervejaria mineira Wäls usa as sementes da planta como condimento na receita da sua famosa Trippel.

Serviço
. Alguidares. Rua Pium-Í, 1.037, Sion. (31) 3221-8877

. Eloi Bistrô Art Cuisine. Rua Marquês de Paranaguá, 85, Santo Antônio. (31) 3243-6820

. Faz de Conta. Av. Toronto, 1.465, Jardim Canadá, Nova Lima. (31) 3541-8959

. Inka. Rua Guaicuí, 533, Luxemburgo. (31) 3293-1461

. Matusalém. Av. General Olímpio Mourão Filho, 169, Planalto. (31) 3447-9973