As aparências enganam

Carne que não é carne?

Presente em boa parte estabelecimentos de BH, hambúrguer de planta semelhante à versão bovina enfrenta um dilema: quer conquistar carnívoros ou matar a saudade dos vegetarianos?

PUBLICADO EM 17/11/19 - 03h00

Na cozinha dos simulacros veganos, onde é possível comer feijoada de cogumelos, feijão tropeiro com torresmo crocante de soja e coxinha de jaca desfiada, agora também entra outro item no menu: o hambúrguer de planta, que imita fielmente a carne bovina na aparência, textura, aroma e até no sangue – este, feito com suco de beterraba, que emula a cor e a suculência.

“É surpreendente completamente! Textura, sabor, cheiro, visual... É muito parecido com a proteína animal”, afirma o chef Gael Paim, um dos sócios da Coal Bar-b-que Market, casa especializada em cortes de proteína animal e que há três meses investiu em duas opções de sanduíches feitos com o blend vegetal.

O alvo ou consumidor desse produto específico, entretanto, ainda pode ser discutido. De um lado, chefs e estabelecimentos defendem que o produto foi feito para o público carnívoro, como uma alternativa que visa à diminuição do consumo de carne, ou quem deixou – ou tenta deixar – de consumir carne vermelha. “É um pouco contraditório ter um produto vegano que se assemelha tanto à carne”, esclarece o chef. “Mas a ideia é ter um produto que é de vanguarda e atender um nicho de mercado cada vez mais significativo. E, sim, apresentar a quem quiser conhecer”, diz.

Por outro lado, estão os vegetarianos e veganos – que correspondem a 14% da população brasileira –, que encontram uma opção discutível: faz sentido uma pessoa que não quer comer proteína animal optar por uma versão que imite tão detalhadamente uma carne?

Vegana há cinco anos, Gabriela Andrade, que também é chef e proprietária do Las Chicas Vegan, não se importa com a semelhança visual do produto com a carne animal e reconhece a novidade como um marco para o veganismo. “Eu não curto o gosto porque prefiro não comer alimentos industrializados, mas não julgo quem consome. Tanto é que coloquei no meu menu com uma data-limite para acabar, e, hoje, ele é o segundo sanduíche que mais vendo na casa”, conta a chef que investiu na “carne de mentira” da Fazenda Futuro, startup pioneira em oferecer a opção no Brasil.

“Acho que é uma porta de entrada para experimentar o veganismo, mas não é o futuro, sabe?”, enfatiza ela. “Eu acredito nos produtos orgânicos como um futuro realmente possível”, finaliza. 

Popularizou-se

Empresas de fast-food, como Bob’s e Burger King, também já fizeram seus investimentos no mercado de carnes vegetais e quase “guerreiam” entre si para ver quem cria a opção mais atrativa. No The Black Beef, por exemplo, cerca de 20 mil hambúrgueres que imitam carne foram vendidos desde o lançamento, em junho deste ano, com o objetivo de “oferecer uma alternativa saborosa para aqueles que desejam reduzir o consumo de carne”, diz Maurício Coutinho, CEO da rede.

No início do mês, o Burger King trouxe para a capital mineira o rebel whooper, sanduíche feito com uma receita exclusiva que demorou cerca de três meses de desenvolvimento. Ariel Grunkaut, diretor de marketing e vendas da franquia, acredita que a iniciativa está atrelada à preocupação das pessoas com o meio ambiente e em comer alimentos mais leves. “Ele é grelhado no fogo como churrasco, da mesma forma que todos os nossos sanduíches”, explica. 

Contra a corrente

Recentemente, a Bullguer criou uma versão para atender o público vegetariano: o hambúrguer de falafel, feito com grão de bico, e não entrou na tendência. “Sempre tive aversão a história da carne do futuro feita em laboratório e acho desrespeitoso para a gastronomia. Não acho correto. É preciso caminhar para o natural, e não para o artificial”, defende Thiago Koch, cofundador e chef da casa.

Apesar de toda a movimentação, há quem acredite que, mesmo feita com plantas, a novidade futurística passa longe de ser saudável. “Dizer que um produto ultraprocessado e cheio de substâncias químicas, inclusive papel, é a solução ‘do futuro’ é no mínimo se aproveitar de uma população desinformada”, afirma Carol Dini, vegana e cozinheira que mantém o perfil Cebola na Manteiga no Instagram. Ainda, de acordo com ela, “precisamos urgentemente superar o fetiche com a carne, transferir a alegria do que comemos para os vegetais, nos informar melhor e questionar o que nos é imposto”. 

Chefs avaliam o sabor e textura da opção vegetal

“Entre os hambúrgueres vegetarianos que eu já comi, esse é o melhor deles. Agora, parece carne? Não. Se você for analisá-lo pensando em carne, ele parece um hambúrguer daqueles bem industrializados, vendidos em supermercado e que já têm também muita soja. Só que, considerando que ele é vegetariano, o hambúrguer do futuro é o melhor, para usar também em restaurante. Mas não acho que seja o futuro, e acho bem tendência. Mas, para convencer carnívoros, não funciona. Não parece nem tem sabor de carne, mas tem a textura que lembra carne moída”

Kiki Ferrari, chef e churrasqueiro

 

“Eu vejo esse produto como algo importante para quem está fazendo uma transição para o vegetarianismo ou quem quer diminuir o consumo de carne, mas que tem dificuldades de cortar totalmente a proteína animal, não para quem é vegetariano ou vegano há algum tempo”. 

Caio Soter, chef de cozinha do Alma Chef

 

“Experimentei por curiosidade o ‘hambúrguer’ de plantas ‘sabor’ carne. Não é hambúrguer, não tem gosto de carne nem textura de carne, o que é óbvio, pois não é carne. Gorduroso, pastoso, desagradável. Uma bosta ultraprocessada, oportunista no momento de mais confusão alimentar da história”.

Paola Carosella, chef e apresentadora do MasterChef, em publicação no Twitter.