RESTAURANTES

Com o rei na barriga

Estabelecimentos que se intitulam Reis são comuns em Belo Horizonte: tem o Rei do Espaguete, do Kibe, da Tapioca, do Caldo de Mocotó, e por aí vai... Conheça um pouco da história das mais famosas “realezas” da capital mineira

PUBLICADO EM 06/11/16 - 02h00

Apesar de ter acabado no Brasil há 127 anos, a “monarquia” deixou herdeiros. Não por acaso temos aqui o Rei do Futebol (Pelé), o Rei da Música (Roberto Carlos)... E Belo Horizonte não foge à tradição, pelo menos no que se refere à culinária. Pelas ruas da cidade pipocam majestades para todos os gostos, do espaguete ao pastel, da tapioca à omelete. São eles os reis da comida, que, quando elegem um prato para governar, dificilmente saem do trono.

É o caso do Rei do Kibe, que, atualmente, com dez lojas espalhadas pelo centro, se mantém seu império. Por dia, são vendidos de 6.000 a 7.000 quibes. O sucesso se explica pela decisão que Moacir Coelho, 75, o dono, tomou ainda em 1972. “Naquela época em BH tinha muito pastel, e não tinha outro salgado especial. E, como eu sabia fazer o legítimo quibe do Oriente Médio, virei o Rei do Kibe”, conta.

O diferencial, segundo Coelho, são os ingredientes que pouco se veem nos quibes brasileiros. “O meu quibe tem segredos e ingredientes especiais, como casca de laranja e manjericão. Por isso, na nossa clientela tem muito turco, muito árabe, muito grego. Deve ser saudade de casa”, brinca.

Nem coxinha, nem mortadela. Até mesmo o prefeito eleito da cidade, Alexandre Kalil, se inspirou na famosa iguaria para criar um bordão, logo após ganhar as eleições. “Acabou coxinha e mortadela, agora é quibe”, disse na ocasião. Por se tratar de um dos frequentadores assíduos do Rei do Kibe, como revela Coelho, a “propaganda” veio a calhar.

Perto dali, na Savassi, o reinado é da tapioca. Há dez anos ocupando o mesmo ponto, o Rei da Tapioca encontrou um mercado diferente daquele dos salgados fritos e gordurosos e se deu bem com a clientela em ascensão. “Quando começamos, em 2007, muitas pessoas ainda não conheciam a tapioca, então oferecíamos degustações. Não podia ter dado mais certo, como toda comida saudável, o mercado é crescente”, conta uma das donas do estabelecimento, Vânia Lúcia Passarini, 57.

Com preços variando de R$ 5 a R$ 13, a tapioca é feita ao gosto do freguês, que pode até mesmo criar combinações. Uma espécie de self-service de tapioca. Mas é possível perceber certo condicionamento ao sabor de acordo com a hora do dia. “O público é diverso, e a casa está sempre cheia, mas, por exemplo, na hora do almoço os clientes querem uma tapioca com carne de sol ou frango. Na parte da manhã, preferem uma mais leve, só com manteiga ou queijo”, diz Vânia.

Clássico da madrugada. Sócia-proprietária do Bolão – O Rei do Espaguete, Karla Rocha, 38, ainda nem havia nascido quando seu tio teve a ideia de inserir no cardápio dos avós o espaguete, em 1961. “Quando abriu, era só uma portinha onde meus avós vendiam salgado. Foi o meu tio, o Bolão, que inseriu a venda do espaguete, sua primeira receita de sucesso. Em BH naquela época não tinha lugar que ficava aberto de madrugada e matava a fome, por isso fez tanto sucesso”, conta.

Mas, nesse caso, o trono do espaguete é dividido com o rochedão e o mexido, outros favoritos dos fregueses. Mas só o espaguete tem um segredo especial ao ser feito. “E é claro que não dá pra revelar. Adianto que o segredo está no molho, um ingrediente especial que faz com que o espaguete seja muito pedido”, conclui.

Omelete ostentação. A popularidade do estabelecimento localizado na avenida Brasil se divide entre dois nomes: Rei da Omelete ou, simplesmente, Bar do Cláudio. O dono, que empresta o nome ao negócio, Cláudio Gonçalves Pedrosa, 49, explica que o estabelecimento existe desde 1987, mas começou a “tomar corpo de bar” em 1991 e, em 2003 passou a funcionar no atual endereço, já com o império da omelete conquistado.

“O nome foi quase por acaso. Quando o bar foi mudando, ganhei uma pintura e, na hora que o pintor perguntou que nome era para colocar, eu falei pra escrever Rei do Omelete. Isso deu até uma polêmica, porque, depois que me falaram que omelete era no feminino, tive que mudar a pintura”, brinca.
“Aí fui aprendendo a fazer a omelete, fui fazendo do meu jeito, arrumando a estrutura da cozinha com chapas especiais para o prato e, hoje, é o carro chefe do bar. Aí você me pergunta ‘mas Cláudio, dá pra tirar gosto da cerveja com ovo?’ e eu te respondo ‘peraí que eu vou fazer uma omelete, você vai comer e depois você que vai me responder”, completa, confiante.

O que começou com apenas três sabores acabou ganhando outros dez e novas possibilidades de combinação. O preço, R$ 40 por omelete, a princípio pode assustar, mas, quando se vê a iguaria na mesa, com 35 centímetros de diâmetro, passa a recer justo. O prato sacia quatro pessoas com fome, mas para quem vai sozinho ou em dupla, há a opção da omelete pequena, por R$ 28.


Caldo de mocotó real

Impossível falar de império sem citar o Nonô, estabelecimento localizado na avenida Amazonas pelo qual todo morador de Belo Horizonte já passou, pelo menos na porta. O Rei do Caldo do Mocotó começou em 1962 como uma banquinha no Barreiro, onde vendia balas, chicletes e outras guloseimas. “Meu pai, o Nonô, ficava ali na entrada de uma grande indústria na época e percebia que os funcionários que iam e viam, geralmente, estavam com fome. Por isso, ele decidiu oferecer alguma coisa com mais sustância, no caso, o caldo de mocotó”, conta Clério Correa, 53, um dos sócios.

Nonô modificava a receita conforme a opinião das pessoas que degustavam a invenção. “Um dizia que estava muito salgado, aí ele mudava. Outro dizia que faltava tempero, aí ele ajustava. No dia que começaram a falar que estava bom, aí ele começou a vender e ganhar dinheiro com isso”, lembra.
Ainda hoje o caldo de mocotó é o carro-chefe do bar, reduto de todo tipo de cliente. “Lá vai juiz, desembargador, mendigo, militar, batedor de carteira. O tratamento é o mesmo para todos, não há bajulação nem destrato. Ali ninguém é doutor ou bandido, ali todo mundo é cliente”, deixa claro. Talvez este seja o segredo do sucesso de um império permanente e inabalável.

E também pela oferta. O bar abre às 6h de segunda-feira e só fecha as portas à meia-noite de sábado. Nesse período o funcionamento é constante e o caldo de mocotó está sempre pronto e quentinho para quem quiser. O valor também atrai: R$ 8,20 pela caneca comum e R$ 8,70 se o cliente quiser dois simpáticos ovinhos de codorna cozidos na fervura do próprio caldo. “Acho que o que atrai também é o carisma da casa, o espírito acolhedor”, arrisca Correa.

E acerta ao entender que nunca precisou ampliar ou modernizar o local para agradar à freguesia. As cadeirinhas do balcão, o caldo quente na caneca e uma dose de conhaque do lado já fazem todo o trabalho. Mesmo assim, o bar foi fechado para reforma no dia 10 de setembro e deve ser reaberto até o final de novembro. Mas sem mudanças na estrutura, só algumas melhorias e reforços para se adequar às regras da Vigilância Sanitária e do Corpo de Bombeiros.

A propaganda, segundo ele, é conforme o pai, que morreu em 1973, ensinou. “O famoso boca a boca. Se a comida é boa, se o atendimento é bom, o cliente vai falar com os amigos e vai voltar. Isso é certo, não precisa de mais divulgação”, conclui, conforme mostram os resultados.