Ovo

Para pensar fora da casca

Versátil, ele vai bem sozinho ou acompanhado, em criações caseiras e em pratos contemporâneos; a pedido do Gastrô, chefs criam pratos que reforçam sua verve sofisticada

PUBLICADO EM 07/02/14 - 03h00

Poucos ingredientes são tão importantes na cozinha como o ovo. Base da patisserie, emulsificante natural e presente em todas as culturas gastronômicas mundo afora, ele já foi acusado de vilão por causa do colesterol. Mas acabou absolvido pelos seus atributos nutricionais, que não são poucos. Da entrada à sobremesa, do café da manhã ao jantar, ele cabe praticamente em qualquer refeição e faz bonito onde aparece.

Aos ainda não iniciados na cozinha, conhecer alguns preparos pode salvar na hora da fome. Afinal, o ovo é tão versátil e fácil de fazer que nada ocupa o lugar dele. Entre as receitas que podem ser preparadas sem tanta perícia e compromisso estão as omeletes, o ovo frito e o mais fácil: ovo cozido. Em poucos minutos é possível prepará-los com sucesso para um ou dois comensais – e basta acompanhá-lo com pão, sal e azeite, e voilà, refeição simples e rápida.

Onde se domina a técnica, porém, a conversa é outra: o ovo é ingrediente digno de devoção e estudo profundo. Nas cozinhas profissionais, reza a lenda de que o toque (a famosa touca característica dos chefs, inventada por Antonin Carême, chef francês ícone da alta gastronomia) deva ter tantas dobras quanto o número de receitas com ovo que o cozinheiro souber preparar.

Nas mãos dos chefs, de prato prático e comum, o ovo passa a ser a estrela de preparos elaborados, em que pese o lado criativo e o apuro técnico. O Gastrô convidou representantes de restaurantes de Belo Horizonte para pensar o ovo de forma contemporânea, em pratos em que os outros elementos sejam secundários.

À frente do Glouton, o chef Leonardo Paixão recuperou uma receita que executava em Paris, ao lado do francês Joël Robuchon: o ovo perfeito, que aqui ganhou a companhia de um salmão defumado, brioche e ovas de salmão. “A ideia do ovo perfeito é engraçada, cada chef tem uma diferente, em que o tempo e a temperatura variam inversamente. O que importa é que a clara e a gema tenham a mesma textura e sejam cremosas na mesma medida”, diz o chef.

Para chegar até a perfeição, porém, é preciso ter um equipamento profissional, o forno combinado, que usa ar quente seco e vapor e que controla a temperatura dentro do alimento – neste caso, 62°C por cerca de uma hora.

“É uma receita levemente inspirada no ovo mollet, um clássico francês que leva arenque defumado gratinado com ovo cozido. Cada elemento faz parte da receita por um motivo especial. O salmão traz um gostinho de fumaça, as ovas são salgadas e dão o efeito de ‘explodirem’ na boca, o dill tem frescor. Já o pão precisa estar ali para trazer essa cremosidade para a boca, é um veículo. O ovo torna todos esses sabores pungentes em delicados e leves”, explica.

Usando ingredientes parecidos com os de Leonardo e técnicas completamente diferentes, o chef do Ficus, Mauro Bernardes chegou a outro prato, este de inspiração basca. Ele usa o os ovos quebrados sobre o salmão defumado, em cama de alho-poró e finalizado com creme de leite fresco. A receita fica cerca de quatro minutos no forno, só até a clara se solidificar. “É um prato intimista, bom para um jantar a dois”, diz o chef.

Frescor. Para Bernardes, para ser considerado um bom ingrediente, o ovo deve ter procedência. “Primeiro, tem que ser caipira, não abro mão. Para ser servido como estrela do prato, o ovo também tem que ser fresquíssimo. Se possível, deve ter sido posto no mesmo dia ou no dia anterior. Consigo no Mercado Central, existem algumas lojas em que ainda se encontra para encomendar. O ovo fresco de verdade é deslumbrante”, afirma ele.

Na cozinha do CMYK, o chef Cláudio Santiago desconstruiu uma fritata de cogumelos, criando um prato com batatinhas, bacon e shimeji finalizados com um ovo pochê e molho bernaise. “Usei uma combinação clássica que caiu muito bem”. Entre as técnicas para trabalhar o ovo de forma profissional, ele destaca a rigidez dos tempos. “O mais incrível são os pontos específicos de cocção. Para fazer um ovo quente, são 3 minutos, já o mollet, 4 minutos e meio. Passou disso, você não chega a perder o ovo, mas ele vira outra coisa”, diz.

Codorna. No cardápio da casa do chef Eloi Moreira, que leva o nome dele, o ovo de codorna é ingrediente obrigatório entre as entradas. Para o Gastrô, ele criou cubinhos de legumes e frutas finalizados com ovo pochê e molho de mostarda. Adiantado nesta edição, o prato estará disponível no cardápio a partir da semana que vem.

“Fui buscando um equilíbrio no prato. Uso berinjela, cenoura, chuchu e figo verde, combinados a uma massa sablet e ao ovo feito no azeite de trufas. O segredo desse prato é o ponto dos legumes e do ovo, que não podem ser cozidos demais”, afirma o chefe, que revela: “Para mim, não existe cozinha sem ovo. É tão indispensável como a água”, atesta o chef.