Seu mestre mandou

Chefs importantes no circuito nacional repassam seus conhecimentos e dão dicas em concorridas aulas de gastronomia

PUBLICADO EM 12/08/18 - 03h00

É bem provável que você já tenha ficado frustrado ao abrir o Instagram e se deparar com uma quantidade considerável de fotos de pratos preparados por seus amigos, enquanto seu conhecimento sobre forno e fogão se limita, quando muito, à capacidade de fritar um ovo. 

A boa notícia é que nem tudo está perdido: é possível aprender segredos culinários com chefs que, além de responderem pela cozinha de emblemáticos restaurantes, abrem suas agendas para aulas de gastronomia – caso de Ivo Faria, Felipe Caputo e Agnes Farkasvölgyi.

A tendência de aprender com grandes mestres vem se fortalecendo ano a ano. A médica Cristiane Assis de Oliveira, 46, por exemplo, lembra que a oferta de cursos era bem menor quando ela e o marido começaram a frequentar as aulas ministradas pelo chef Renato Quintino, há 12 anos. 

“A gente comentava que fazia (o curso) e quase ninguém conhecia. Hoje, temos vários colegas, inclusive da área da medicina, que fazem, ainda que com outros chefs. Seja para cozinhar para si mesmos, receber convidados em casa ou pelo momento da aula em si, quando se encontram com amigos e confraternizam”, diz.

Percepção. O aumento do interesse pelas aulas, na perspectiva de Renato Quintino, tem a ver com uma mudança de percepção que é mundial. “A mídia nacional e internacional tem falado muito de gastronomia, vemos a repercussão de programas como ‘MasterChef’ (BBC/Band) e ‘Chef’s Table’ (Netflix), a própria revista ‘Restaurant’, que superou o ‘Guia Michelin’ em termos de referência. É um assunto que entrou para a pauta do cotidiano. As pessoas perceberam que comer é uma atividade que, se feita com mais qualidade e sabor, deixa a vida mais colorida e agradável”, avalia.

O tipo de culinária que se pode aprender depende muito do chef. Com Felipe Caputo, responsável pela cozinha do restaurante Green Up – onde, aliás, ministra as aulas –, capacitou mais de 600 alunos nos últimos três anos, dando cursos voltados à cozinha low carb, vegetariana e vegana e à comida funcional moderna. “Tento mostrar que a cozinha saudável pode ser gostosa e estar ao alcance de todos para o dia a dia”, propõe ele, que apresenta preparos que contemplam duas entradas, um prato principal e uma sobremesa.

Já Ivo Faria – do renomado restaurante Vecchio Sogno, onde dá as aulas – gosta de misturar alta gastronomia e cozinha mineira, mas se dá a liberdade de criar e variar. As aulas duram cerca de quatro horas e custam em média R$ 250. Em geral, as receitas são apresentadas divididas em temas. 

Renato Quintino, que recebe suas turmas num espaço que montou especificamente para isso, se orgulha de nunca ter repetido uma receita em mais de 20 anos, apresentando cinco por aula. “A primeira deste semestre, chamei de Black Food, pois escolhi trabalhar somente ingredientes pretos, como o arroz negro”, explica ele, que opta por uma imersão cultural atrelada ao tema da aula antes de partir para a prática propriamente dita e traz sempre um trecho de livro ou cena de filme para introduzir o assunto. Detalhe: todos os encontros são em formato de aula-show, com direito a degustação dos pratos. 

Cultura da gastronomia. Sejam os alunos já familiarizados com o ambiente culinário ou não, é possível acompanhar o conteúdo das aulas. “Por meio dos pratos, ensino o mais importante, que são técnicas de cocção, como vapor, assar, grelhar, refogar, cozinhar no carvão. Ensino a cultura da gastronomia, a conhecer ingredientes, saber comprar produtos, interpretar cardápios”, enumera Quintino.

A maioria das pessoas que procura os cursos de Ivo Faria, iniciados há mais de dez anos, não tem muita habilidade na cozinha e quer aprimorar os conhecimentos para preparar receitas em casa, para receber os amigos. É gente de diversas faixas etárias, disposta a absorver os ensinamentos do mestre. Faria explica ainda que, às vezes, a receita é um mero detalhe. O mais importante é tentar repassar as várias técnicas possíveis de serem praticadas em torno de um preparo, justamente para que, em casa, o aluno possa dar continuidade aos conhecimentos adquiridos na aula e não se prender apenas ao formato exato do menu que foi ensinado.

Desafio ao paladar. Para ele, outro desafio é “desacostumar” o paladar do aluno – e abrir sua cabeça. “É normal que algumas pessoas sempre procurem comer as mesmas coisas. Justamente por isso procuro despertar nelas o paladar, para que possam sentir o prazer de experimentar novos pratos sem restrições a algo que, na verdade, elas nunca comeram”, frisa Ivo Faria, referindo-se também a ingredientes como carne de pato e jiló, que já foram alvos de objeção entre os alunos.

Seja qual for o direcionamento gastronômico a ser repassado, todos os chefs ouvidos pela reportagem compartilham a mesma ideia: são completamente desapegados quando se trata de repassar o que já sabem. 

“Cozinhar é um ato particular. Mesmo quando alguém aprende uma receita de minha autoria, não vai fazer igual. A verdade é que, quando o aluno adquire confiança, imprime o seu toque particular à receita”, acredita Faria. O chef Renato Quintino vai na mesma linha: “Crio minhas receitas para todo mundo fazer”.

Mais do que lazer, uma forma de terapia

A médica Cristiane Assis de Oliveira, 46, cozinhava muito pouco quando recorreu ao curso do chef Renato Quintino, há 12 anos. Hoje, já acumula uma bagagem considerável, mas segue nas aulas por dois motivos: o primeiro é por estar sempre em contato com novas receitas; o segundo, porque preza por aquele momento. “A gente (ela e o marido) trabalha muito numa área específica, então é bom ter um momento pra fugir daquilo, investir em outras coisas. Para nós, é um tipo de terapia”, afirma.

O chef Renato Quintino reforça o valor terapêutico de se preparar a comida. “No momento em que entra na cozinha, a pessoa se desliga um pouco do mundo exterior, das preocupações, pressões e tensões do dia a dia. Embora seja uma prática ativa, que envolve descascar, picar, refogar, dourar, é um estado quase de meditação. Ainda que se lide com ação, fogo, faca de um jeito até agressivo, é uma coisa meio zen, que nos permite conectar com uma coisa essencial na vida e lidar com a própria natureza”, conclui.

 

Bacalhau, spaghetti nero di seppia, amêndoas, queijo de cabra boursin

Ingredientes

1 kg de bacalhau

1 xícara de azeite

1 cebola grande picada

3 dentes de alho picados

2/3 de xícara de amêndoas

1 queijo de cabra boursin

300 g de espagueti ao nero di seppia (feito com tinta de lula)

Preparo

Corte o bacalhau em pedaços (a pele pode ser mantida, se quiser). Num tabuleiro, coloque a cebola e o alho e tempere com sal e pimenta-do-reino. Coloque o bacalhau por cima e regue com o azeite. Tempere ligeiramente o bacalhau com sal e pimenta.

Leve ao forno preaquecido a 200 ºc e asse por cerca de uma hora. A cada 20 minutos, retire o bacalhau do forno e dê uma olhada. Se necessário, coloque mais azeite e solte-o do fundo do tabuleiro. Em uma panela com água fervendo, cozinhe o espaguete até ficar macio. Escorra. Jogue sal e pimenta do lado por cima. 

Enquanto isso, asse as amêndoas por 3 a 4 minutos para que liberem óleo e perfume naturais. 

Retire o bacalhau do forno e, na mesma travessa, corte-o em pedaços. Misture as amêndoas. Por fim, coloque o espaguete virando-o do outro lado que ainda não foi temperado no tabuleiro. Tempere esse lado com sal e pimenta e misture bem. Sirva em pratos individuais com pequenos pedaços de queijo de cabra boursin por cima.

 

Onde fazer

Agnes Farkasvölgyi. A chef do Bouquet Garni (r. Tenente Anastácio de Moura, 676, Santa Efigênia) ministra cursos que duram o ano inteiro, com encontros mensais que acontecem sempre à noite. Informações (31) 99942-0980.

Felipe Caputo. As aulas-show são ministradas no restaurante Green Up (r. Alagoas, 851, Savassi)) com duração de três horas e meia a quatro horas. Temáticas, são voltadas para a cozinha low carb, vegetariana, vegana e comida funcional moderna. Os alunos aprendem a fazer duas entradas, um prato principal e uma sobremesa, mas não é regra. Custam de R$ 200 a R$ 280 e são divulgadas no Instagram: @eatgreenup. A próxima acontece no dia 28.

Ivo Faria. As aulas são ministradas na cozinha do restaurante Vecchio Sogno (r. Martim de Carvalho, 75, Santo Agostinho). As receitas são, em geral, releituras de pratos mineiros com um toque da alta gastronomia. Cada aula custa cerca de R$ 230 e o valor contempla o cardápio da aula: uma entrada, prato principal e sobremesa. Informações sobre turmas pelo telefone (31) 3292-5251.

Renato Quintino. Cursos semestrais de gastronomia e vinhos em três formatos: turmas mensais, turmas quinzenais e aulas de harmonização de vinhos. Ministrados no Espaço Renato Quintino (r. Cristina, 1.175, Santo Antônio). Aulas temáticas com apresentação de cinco pratos (receitas sempre inéditas). R$ 220 por aula. Turmas abertas de segunda a quinta. Informações: renatoquintino.com.br ou (31) 98876- 1331.

Rusty Marcellini. As aulas de culinária são ministradas seis vezes por mês, e cada turma tem uma aula mensal, dada no supermercado Verdemar (av. N. S. do Carmo 1.900, Sion). Acontecem das 19h às 22h e custam R$ 210. Informações em rustymarcellini.com.br.