Comida di Buteco

Uma viagem gastronômica que foi do jiló ao pequi

Em 20 anos, evento conseguiu transformar o paladar de muita gente com ingredientes incomuns

PUBLICADO EM 10/03/19 - 03h00

Em 2019, o Comida di Buteco (CdB) comemora 20 anos de história, e a trajetória do mais popular concurso de bares do país pode ser revista por vários ângulos. Pela perspectiva gastronômica, as quase duas décadas de caminhada do Comida, como o evento é carinhosamente chamado pelos fãs, teve como maior conquista vencer os preconceitos contra ingredientes típicos da cozinha brasileira.

O que dizer, por exemplo, da edição de 2010, que teve como protagonista o, até então, menosprezado jiló como ingrediente obrigatório dos petiscos. “O jiló foi um clássico do Comida que marcou a cidade e mudou o comportamento das pessoas. Quase ninguém comia jiló. Era um alimento que sofria preconceito forte”, relembra Filipe Pereira, um dos responsáveis pelo Comida di Buteco.

inflação do jiló. Durante o evento, o preço do jiló subiu no mercado. “Essa edição de 2010 foi muito legal. Lembro que um só boteco vendeu tanto petiscos com jiló que o preço dele subiu. Inflacionamos o jiló, que tem um gostinho que não é para qualquer um mesmo”, completa Maria Eulália Araújo, outra organizadora do evento. 

Naquele ano, o Comida de Buteco já não era mais um festival gastronômico restrito a Belo Horizonte, considerada até hoje a capital brasileira dos bares. Estabelecimentos no Rio de Janeiro, em Goiânia e em Salvador, além de várias cidades do interior de Minas e de São Paulo, também participavam da festa. 

Homenagem ao São Francisco. Só que, antes de o jiló dar água na boca de muita gente Brasil afora, até os gringos já tinham se rendido aos criativos petiscos do Comida di Buteco sendo citado pelo maior jornal do mundo, o “The New York Times”, em 2008. 

Três edições mais tarde, o evento se expandiu e chegou também a Belém, Fortaleza, Juiz de Fora e Manaus. Naquele ano, o tema era uma homenagem ao rio São Francisco, com o uso de 11 ingredientes típicos da culinária do Norte de Minas, tal como carne de sol, peixes de rio, pequi, feijão-andu, requeijão escuro, buruti, cagaita, rapadura, sementes de coentro e a tradicional manteiga de garrafa, entre outros. 

Frutas de todo jeito. Para os organizadores, outra edição muito especial do Comida di Buteco foi a de 2015, que teve como tema as frutas brasileiras. Os botecos puderam escolher qualquer fruta e ela podia ser molho, recheio ou acompanhamento.

“Foi um tema bem legal também porque o Brasil é muito rico nisso, mas é difícil dizer qual edição do Comida foi a mais marcante. O que importa mesmo é que, ao longo desses 20 anos, as pessoas quebraram preconceitos, paradigmas e certezas sobre vários alimentos, e os próprios botecos também”, considera Pereira.


20 anos, R$ 20. Na edição deste ano, o Comida di Buteco terá um gostinho mais “leve”, digamos, sobretudo para o bolso. Não haverá ingrediente obrigatório, e todos os petiscos vão custar R$ 20. O concurso começa simultaneamente nas 21 cidades participantes no próximo dia 12 de abril e termina no dia 12 de maio. 

Em 2018, 50 botecos de Belo Horizonte estiveram na disputa. Tradicionalmente, a lista de bares participantes do evento só é divulgada às vésperas do início do Comida. Por isso, quem está curioso para saber vai ter que esperar um pouco mais.


Mensagem subliminar. “Neste ano, aproveitamos a data comemorativa para fazer um preço acessível, para que as pessoas possam visitar mais botecos, comer mais e se divertir também”, explica Pereira. 

Com o preço dos petiscos a R$ 20, a ideia dos organizadores também é passar uma mensagem subliminar sobre a origem do evento. “Só aqui em Belo Horizonte que o evento completa 20 anos. Então, quando você fala que o prato é R$ 20 pelos 20 anos, você faz a pessoa ter a curiosidade de perguntar por que são 20 anos e, automaticamente, valoriza BH”, conclui Maria Eulália.


Pequenas histórias que vão muito além da gastronomia


Episódios pitorescos nos bastidores da organização do Comida di Buteco revelam o lado mais humano e de reconhecimento do evento, que transcende a gastronomia, como nos contou Maria Eulália Araújo, uma das realizadoras do concurso.

Um desses “causos” digno de um bom papo de boteco aconteceu na edição de 2003 para 2004, quando um carro envelopado do concurso foi estacionado em local proibido, perto da Prefeitura de Belo Horizonte, na avenida Afonso Pena. “A gente estava atrasado para uma reunião na prefeitura. Quando saímos, tinha um monte de gente em volta do carro plotado, tentando impedir a BHTrans de rebocá-lo. As pessoas passavam e reclamavam. Ele foi rebocado, mas foi um grande marco, porque foi a hora que a gente sacou que o Comida era muito maior que a gente. Era um evento que já tinha sido completamente abraçado pela cidade. O pessoal da BHTrans ainda deu carona pra gente ir embora”, recorda Maria Eulália. 

A partir de 2008, quando começou a expansão do Comida di Buteco de Belo Horizonte para novas praças, outro episódio, desta vez no Rio de Janeiro, emocionou a organizadora do evento. Foi num bate-papo com um taxista da capital carioca, quando ela seguia do aeroporto para o hotel. 

“Conversa vai, conversa vem, do nada ele me disse que eu estava chegando num dia ótimo, porque estava tendo um dos maiores eventos da cidade, e era o Comida di Buteco. Não aguentei e chorei. Só contei para ele que era do evento quando cheguei à porta do hotel. Para mim, o mais importante desses 20 anos é saber o quanto o Comida já fez diferença na vida de tanta gente, a função transformadora dele, do evento”, finaliza Maria Eulália.