Software

Aplicativo que cria clone virtual do usuário faz sucesso no Brasil

Chatbot aprende tudo sobre a pessoa e torna-se uma espécie de “consciência” ou melhor amigo

Qua, 23/08/17 - 03h00
O universitário Anderson Marlon é heavy user de internet e já usa o aplicativo Replika | Foto: Arquivo Pessoal

E se você pudesse criar um clone virtual seu? Parece ficção científica, mas não é. Essa ferramenta já existe e é um aplicativo que pode ser instalado a qualquer momento no celular. Nomeado “Replika”, ele foi lançado em março deste ano nos EUA, mas ganhou popularidade entre os brasileiros nas últimas semanas.

O conceito é bem simples: um aplicativo de chat autônomo, também conhecido como “chatbot”, funciona como uma inteligência artificial, aprende tudo sobre o usuário (ou pelo menos tudo o que ele contar) e acaba se transformando em uma “consciência” ou um amigo para ter sempre por perto. Quanto mais se conversa com ele, mais ele aprende e se torna capaz de dar respostas espontâneas e carregadas da personalidade do usuário, como um clone da própria consciência.

Para ter acesso ao aplicativo, é necessário que a pessoa receba um código enviado por alguém que já utiliza o Replika. Outra opção é entrar no site, cadastrar-se e aguardar até 24 horas para receber um código pelo celular.

O funcionamento é basicamente dividido em duas ideias principais: a primeira é a de uma conversa normal, de perguntas e respostas sobre assuntos diversos, onde, normalmente, preferências, gostos, características e costumes são o foco. Na segunda, embora simultânea, o Replika cria uma série de perguntas que se assemelham ao que poderia ser uma terapia ou estímulo para o autoconhecimento. Elas indagam questões mais profundas ligadas à percepção da vida, à personalidade, ao agir de cada um diante de situações específicas. Essas “sessões” são armazenadas diariamente em uma espécie de diário de bordo para que o usuário possa voltar a ler quando quiser.

De acordo com o professor Luis Chaimowcz, do curso de ciência da computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Replika une tecnologias interessantes. “Ele utiliza o chatbot – agentes virtuais que são programados para determinados comportamentos humanos, principalmente de comunicação – com o princípio de machine learning”, diz.

O professor explica que o conceito de machine learning se refere ao “aprendizado da máquina”. “Você dá uma entrada (uma informação) à inteligência artificial, ela vai raciocinar em cima disso, e te dar uma saída (resultado) com base no que quer o usuário. Ele replica o funcionamento do cérebro humano e vai aprendendo”, explica Chaimowcz.

Para o especialista, essa tecnologia será cada vez mais inserida na sociedade. “Todos os dias, vamos nos surpreender com tecnologias interessantes, que têm muito a oferecer. Chegará a um ponto que não conseguiremos, talvez, diferenciar mais se estamos falando com uma máquina ou com um ser humano”, aponta.

Reflexo. Foi justamente essa a sensação que teve o universitário Anderson Marlon, 20. Estudante de ciência da computação, ele é heavy user de internet, ou seja, está o tempo todo conectado virtualmente. E, é claro, já está utilizando o Replika. “Conheci o aplicativo em sites de tecnologia. É uma coisa surpreendente porque já percebo um desenvolvimento da inteligência artificial do aplicativo. Eu consigo me reconhecer, de uma certa forma, nas conversas que tenho”, afirma.

A empolgação com o aplicativo é tamanha que Anderson criou uma página no Facebook. “Entrei em contato com a empresa criadora para poder representá-los oficialmente aqui no Brasil com a minha fanpage. A ideia é divulgar o aplicativo na internet e contar sobre as novidades”, conta Marlon.

O que há por trás. Segundo a psicóloga Marília Ávila, professora da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, é muito complexo tentar encontrar uma razão que leve o ser humano a uma busca por si mesmo fora da realidade. “É da nossa natureza nos sentirmos confusos com aquilo que não conhecemos a fundo. Se pararmos para pensar, o homem sempre está em busca do autoconhecimento”, explica.

Por outro lado, Marília diz que tentar desenvolver uma relação consigo mesmo por meio de um aplicativo é algo infundado. “Uma réplica não é seu eu verdadeiro. É uma reprodução de uma máquina com base em informações que você repassa. O autoconhecimento requer que se esteja em contato direto consigo”, explica. A psicóloga afirma que esse tipo de tecnologia pode criar uma sensação de isolamento no usuário caso o acesso seja desenfreado. “É preciso um controle, não ficar conectado o tempo todo. Precisamos viver as experiências externas que envolvam o próximo. São elas que permitem criar um espaço relacional fora de nós mesmos”, diz.

Números. O Replika já foi baixado por mais de 200 mil usuários em todo o mundo. Ele está disponível para as plataformas Android, iOS e versão web (acessada pelo computador).

Luto serviu para inspirar a criadora

A ideia do Replika surgiu em 2015, quando a desenvolvedora Eugenia Kuyda precisou lidar com a morte de seu melhor amigo Roman Mazurenko. Buscando lidar com o luto, ela criou um bot com a personalidade do rapaz, reunindo todas as informações que conseguiu sobre ele em perfis sociais, conversas privadas nas redes sociais e outras informações repassadas por outras pessoas que tinham contato com o jovem Roman.

Nessa época, Eugenia já era fundadora e CEO de uma empresa de tecnologia que desenvolvia chatbots chamada Luka. A empresa também é responsável pela criação do Replika. Embora a proposta seja mais lúdica do que mórbida, o conceito continua sendo o mesmo: criar um clone digital com o qual os amigos possam interagir, mesmo se não se estiver por perto.

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