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Comércio ilegal de sêmen prospera livremente pela internet

CFM proíbe lucro com a doação de esperma, mas não há controle sobre venda do material online

Por Da Redação
Publicado em 01 de abril de 2018 | 03:00
 
 
CFM proíbe lucro com a doação de esperma, mas não há controle sobre venda do material online Foto: Reprodução

No Brasil, não há lei específica para disciplinar os aspectos da reprodução humana assistida (RHA). No entanto, existem outros dispositivos normativos definidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), como as resoluções 2.168/2017 e 1931/2009 (Código de Ética Médica).

De acordo com o CFM, a doação de sêmen não pode ter caráter lucrativo ou comercial. Em países como os Estados Unidos, a doação é remunerada. Com isso, as dificuldades de acesso a quem não tem condições de importar sêmen acabam alimentado o mercado paralelo no Brasil. Grupos no WhatsApp e no Facebook reúnem dezenas de doadores de sêmen em várias partes do país. Alguns membros chegam a cobrar R$ 4.000 pelo material.

O empresário de Belo Horizonte Wesley Silva, 32, que divulga esse “serviço” nas redes sociais, conta que já fez doação caseira de esperma por duas vezes. Há oito anos ele mora em Curitiba, mas, quando fez as doações, em 2009, Silva morava na capital mineira, e as mulheres que receberam o material eram de Recife.

“Geralmente não cobro, deixo a pessoa à vontade se quiser me oferecer alguma gratificação. Mas resolvi parar de doar por medo de futuramente ter algum problema. Não tive coragem de conhecer nenhuma criança. Sou divorciado, sem filhos, e ninguém sabe”, conta.

Estados Unidos e Dinamarca estão entre os pioneiros e líderes na área de doação de esperma. Vera Fehér Brand, diretora do banco de sêmen Pro-Seed, parceiro da Seattle Sperm Bank no Brasil, conta que a empresa possui mais de 160 doadores e fornece material genético para 300 clínicas em todo o país. A demanda vem crescendo de 10% a 20% ao ano, ela diz.

“Desde 2012 vimos a necessidade de importar o esperma de alguns doadores com característica mais claras para suprir a demanda específica de alguns pacientes que não encontravam essas características no Pro-Seed. Geralmente são mulheres que não têm parceiros e então acabam procurando por um doador em que elas teriam interesse e, portanto, gostariam que o filho tivesse essas características”, afirma.

“A infertilidade é um problema crescente, acredito que mais pessoas continuarão a usar doadores de esperma. Para uma mulher solteira ou casais de lésbicas, é a maneira mais segura e melhor de ter uma criança saudável”, complementa o diretor financeiro do banco de esperma de Seattle, Fredrik Andreasson.

Na análise da ginecologista especialista em reprodução humana e diretora da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Ines Katerina Damasceno, o expressivo crescimento da importação de esperma se deve ao maior conhecimento das pessoas sobre esse tipo de possibilidade, maior compreensão da técnica ou ao fato de não querer um doador que seja próximo, ainda que a resolução do CFM garanta o anonimato do doador e do receptor.

A diretora da Sogimig também não soube apontar um motivo para a escolha recorrente dos brasileiros por materiais seminais caucasianos. “Às vezes, doadores disponíveis no Brasil não têm características semelhantes aos pais, e eles então acabam recorrendo aos bancos de fora. Lógico que poderiam optar por uma criança de outra raça, mas não é o que se vê na prática”, afirma.

FOTO: reprodução/Instagram
A atriz e modelo Karina Bacchi e o filho, fruto de inseminação artificial com sêmen dos EUA

A atriz e modelo Karina Bacchi contou ao “Programa do Gugu” como foi a decisão de realizar uma “produção independente” e o motivo de ter escolhido um doador estrangeiro. “Optei por uma empresa de fora, onde eu pudesse ter informações não só físicas, mas informações de saúde, familiares, até entrevista você acaba ouvindo”, disse.

Minientrevista

Thalita Rodrigues
Psicanalista e psicóloga social

A importação de esperma de pessoas brancas de olhos claros é um sinal de racismo?

Para mim é explícito que tem uma questão de racismo, sim. Uma política de importação de sêmen de pessoas brancas para produzir crianças que se encaixem nesse padrão hegemônico que é o padrão branco. Eu faria dois recortes: um em relação à raça e à classe. Ou seja, essa importação possivelmente é feita pela população que tem condição financeira para isso. Acho isso bem chocante, porque a história do racismo no Brasil é a de negar a existência da desigualdade. Estudiosos têm apontado que existe o mito da democracia racial.

O brasileiro tem um o complexo de vira-latas?

Eu prefiro dizer que somos um povo muito colonizado. E a colonização não se dá apenas no sentido da dominação econômica. Ainda vivenciamos aspectos de colonização enquanto país no cenário global.

Quais são os impactos da negação da raça na constituição da subjetividade?

A subjetividade é um processo cultural, social, histórico, é a forma como me sinto, me vejo, me porto no mundo. Se me acho bonita, inteligente, se sou uma pessoa que tem boas relações, os traços comportamentais. Não é algo inato, é construído. Então, se o Brasil é extremamente racista, como pessoas negras vão se constituir enquanto população? Uma pessoa negra possivelmente vai ter sua subjetividade negativada porque aspectos negros são tidos como ruins. Não querer ter um filho negro é uma manifestação concreta do quanto a população negra no Brasil é negada.