As relações entre o aumento do desmatamento e a redução dos ciclos de chuvas estão cada vez mais evidentes, e estudo realizado por pesquisadores mineiros mostrou que os impactos desses dois cenários já estão sendo sentidos, inclusive, pelo agronegócio brasileiro. Um desmatamento de 50% a 60% de determinada área faz com que as chuvas se atrasem em pelo menos uma semana, segundo o engenheiro florestal, mestre em meteorologia aplicada, Argemiro Teixeira Leite-Filho.
Analisando os bancos de dados de mudanças de uso da terra e a precipitação de chuvas ocorridas na região sul da Amazônia entre os anos de 1974 e 2012, pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concluíram que a retirada da cobertura vegetal interrompe o fluxo de umidade do solo para a atmosfera.
Publicado na revista científica “Nature Climate Change”, uma das mais importantes do mundo nesta área, o estudo mostrou ainda que, além do atraso para o início das chuvas –, que costuma ser entre agosto e abril –, áreas desmatadas ficam mais propensas a períodos de seca de mais de uma semana de duração. Leite-Filho, adiantou que um próximo estudo, que deve ser publicado nos próximos dias, revela que a estação chuvosa também encolheu de 20 a 25 dias.
Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram desmatados neste ano 2.254,8 quilômetros quadrados (km²), contra 596,6 km² no ano passado. A devastação deste ano equivale a cerca de 225.480 campos de futebol – um aumento de 278% em comparação ao mesmo período de 2018.
A diferença de uma semana a menos no ciclo de chuvas, segundo o professor titular da UFV, Marcos Heil Costa, pode prejudicar a produção de duas safras em um mesmo ano e determinar mudanças na seleção de culturas de sequeiro. “Se o agricultor conseguir plantar a safra de soja ainda em setembro, ele normalmente tenta uma segunda safra de milho para aproveitar a área duas vezes. Quanto mais tarde começam as chuvas, é mais difícil ter duas safras, ou seja, a segunda vai ficando arriscada também”, explica.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) vem demonstrando interesse em afrouxar as leis ambientais para beneficiar o agronegócio e a agropecuária. No entanto, conforme os pesquisadores, “ironicamente”, se o ritmo de desmatamento aumentar, os impactos para esses setores serão ainda maiores. “A projeção é de um cenário pessimista para o agronegócio, porque eles se beneficiam diretamente das chuvas que acontecem na região”, diz Leite-Filho.
Conforme o engenheiro florestal, “existe uma crença errônea de que a floresta de pé atrasa o desenvolvimento da agricultura. Mas os estudos mostraram que a floresta de pé tem o seu valor para a agricultura. O produtor deve levar em consideração os serviços ecossistêmicos que a floresta proporciona e que é possível aliar a produção agrícola com a preservação florestal”, diz.
Devastação florestal pode ser irreversível
Se a Amazônia chegar a 40% de sua extensão desmatada poderemos atingir um ponto irreversível para sua recuperação, segundo o relatório especial sobre Mudança Climática e Terra, lançado na última quinta-feira em Genebra pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU).
O documento informa que, atualmente, o desmatamento corresponde a cerca de 10% das emissões de gás carbono no ar, e que o Brasil, segundo o IPCC, perdeu 55,3 milhões de hectares de 1990 até 2010. Essa situação pode transformar a região amazônica em uma potencial emissora de gás carbono, em vez de ser o tradicional ponto de absorção de CO2. Segundo o relatório, a redução do desmatamento e da degradação tem o potencial de reduzir até 5,8 bilhões de toneladas de CO2 por ano no mundo. Detentor da maior floresta tropical do planeta, o Brasil pode ser parte importante dessa redução – se governo e sociedade fizerem sua parte.
Ambiente devastado fica mais vulnerável
Além de ser responsável pela produção de oxigênio e retirada das partículas de carbono do ar, as árvores da floresta tropical brasileira também têm um papel importante na formação das chuvas no Brasil. Estudos já mostraram que com o aumento do desmatamento e a retirada da cobertura vegetal, os “rios voadores” – nome dado a grandes nuvens de umidade responsáveis pelas chuvas e que são transportadas pelos ventos desde a Amazônia até o Centro-Oeste, Sul e Sudeste brasileiros – não “seguem viagem”, causando a escassez hídrica.
Segundo o meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) Mozar Salvador, a relação entre superfície e atmosfera é bastante importante para definir características climáticas locais. “O ambiente desmatado passa a ser mais vulnerável às chuvas porque a área de floresta consegue absorver um volume maior de precipitação. As cheias na amazônia são bastante conhecidas, os rios sobem vários metros, mas, se a área de floresta for desmatada e o volume de chuva continuar o mesmo, o impacto das cheias poderá causar mais assoreamento, alagamentos em áreas urbanas ou usadas para a agricultura de maneira não planejada”, diz Salvador.
Dura realidade
A população da Terra está crescendo e, com ela, o consumo de alimentos, mas a devastação do planeta já afeta a agricultura.
Relatório da ONU alerta que, se o aquecimento global ultrapassar o limite de 2ºC estabelecido pelo Acordo de Paris, terras férteis se transformarão em desertos e a seca e os fenômenos meteorológicos extremos colocarão em risco o sistema alimentar.
Os solos e as florestas são aliados perfeitos contra as alterações climáticas. Eles atuam como sumidouros de carbono, reservatórios naturais que impedem que o CO2 chegue à atmosfera.