Belo Horizonte

Era dos extremos: mudanças climáticas prometem chuvas e calor mais intensos

Para pesquisadores, aquecimento global é uma das causas das fortes chuvas recentes

Por Da Redação
Publicado em 03 de fevereiro de 2020 | 06:00
 
 
O Calor pode chegar a 40ºC em cidades mineiras Foto: Alex de Jesus - 13.9.2019

Na perspectiva de 71% dos brasileiros, a temperatura global deve aumentar em 2020, e 23% acreditam que, neste ano, um desastre natural vai atingir a cidade onde vivem. Essas impressões, apresentadas no Fórum Econômico Mundial pela empresa de pesquisa e inteligência Ipsos, já se mostram verdadeiras em Belo Horizonte, que começou o ano com termômetros acima dos 30ºC e, em seguida, agonizou sob a chuva mais forte dos últimos 110 anos na região. 

Na meteorologia, é impreciso, segundo especialistas, estabelecer quais fatores levaram a determinado fenômeno, como as fortes chuvas de janeiro. Mas o cenário aponta para algo discutido pelo menos desde os anos 80: os efeitos das mudanças climáticas globais. 
Uma das causas para as chuvas típicas do verão em Belo Horizonte são “rios voadores”: as Zonas de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), corredores de umidade que se estendem do sul da bacia amazônica até o oceano Atlântico, no litoral do Sudeste.

O ciclone Kurumi, formado na costa da região, também contribuiu para a instabilidade atmosférica das chuvas de quinta, 24, mas se dissipou no domingo seguinte e não teve relação com as chuvas da terça-feira, 28.

“O mecanismo das ZCAS acontecia antes do aquecimento global e continua ocorrendo. Mas as condições da atmosfera ficam diferentes com as mudanças climáticas. A atmosfera fica mais quente e carrega mais umidade. A tendência, com isso, é de chuvas torrenciais. É difícil fazer uma ligação direta de um evento com as mudanças climáticas. O que se diz é que eventos como os das últimas semanas se tornam mais prováveis”, explica Regina Rodrigues, coordenadora do núcleo de Desastres Naturais da Rede Clima, projeto que fornece informação científica ao governo federal. 

Futuro intenso

O próprio governador de Minas, Romeu Zema (Novo), citou as mudanças climáticas em entrevista sobre as chuvas. De acordo com pesquisadores da área, as alterações globais prometem precipitações intensas cada vez mais frequentes.

Um estudo norueguês publicado na revista “Nature”, em 2019, mostra que a ocorrência de precipitações extremas tende a dobrar a cada grau a mais na temperatura global – a luta da Organização das Nações Unidas (ONU) é impedir que ela aumente mais que 1,5ºC nas próximas décadas. 

Em 2016, uma análise de vulnerabilidade encomendada pela Prefeitura de Belo Horizonte já atentava para os riscos em um futuro próximo: até 2030, problemas relacionados a grandes chuvas (como inundações e deslizamentos) devem aumentar 32% na cidade. E o número de bairros com alta vulnerabilidade a consequências dessa chuva pode aumentar 60% – englobando 331 dos 486 bairros.

“Há três grandes fatores para eventos extremos: a mudança do clima, globalmente; os fenômenos frequentes no verão (como as ZCAS); e, intensificando isso, ilhas de calor nas cidades”, avalia Lincoln Muniz Alves, pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Despreparo nos trópicos

O professor Wellington Lopes Assis, do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não acredita que já se possam associar as chuvas a mudanças globais. Ainda assim, destaca: “A única certeza que temos é que o clima passará por oscilações ao longo dos anos. Portanto, é necessário termos políticas públicas e planejamento urbano capazes de dar respostas rápidas a essas mudanças”. 

Emilio La Rovere, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), projeto da ONU, teme que tais respostas estejam atrasadas no Brasil. “Faz 30 anos que cientistas chamam atenção pública mundialmente. Não é possível uma autoridade dizer que foi surpreendida (por fenômenos extremos). É óbvio que eles vão acontecer com mais frequência e força. E mais chuvas tropicais em um país sem habitações populares ou drenagem urbana, com lixo entupindo bueiros e deslizamentos em encostas que não deveriam estar ocupadas ,nos tornam extremamente vulneráveis”, explica. 

Secos e molhados

Faz apenas cinco anos que BH viveu uma grande seca, entre 2014 e 2015, quando a atuação das ZCAS não foi forte como em 2020. Períodos prolongados de seca e calor também são apontados em prognósticos das mudanças climáticas. Um dos cenários diagnosticados pelos modelos do aquecimento global para as próximas décadas são longas temporadas secas seguidas por chuvas estrondosas e pontuais. 

Raoni Rajão, professor de gestão ambiental e estudos sociais da ciência e tecnologia na UFMG, observa que os dias de calor na cidade estão mais frequentes: só entre janeiro e novembro de 2019, ele contabilizou mais de 40 dias com temperatura máxima acima de 32ºC (superando o limite térmico confortável), ocorrência rara nas décadas anteriores. “Ondas de calor estão se tornando o novo normal”, indica. 

E quem viu paralelos entre as chuvas do Sudeste e as queimadas que varreram a Austrália não está equivocado. Elas representam sintomas do agravamento de fenômenos naturais, detalha Lincoln Muniz Alves, do Inpe: “A mudança climática traz os extremos. A Austrália tem um clima seco; e as projeções indicam que secas mais fortes vão ser a norma na região”. Já os incêndios de 2019 na Amazônia apontam para outra direção: “Foram feitos pelo homem. A Amazônia não é um tipo de floresta que tem fogo natural”, lembra a professora Regina Rodrigues.

BH discute lei

Em 2006, Belo Horizonte criou um Comitê Municipal sobre Mudanças Climáticas e Ecoeficiência, tornando-se uma das poucas cidades do Brasil com legislação específica sobre o tema. Ele é citado, inclusive, em um artigo da Lei Orgânica de BH (a mais importante da cidade). Atualmente, o comitê trabalha em uma lei atualizada –  teve acesso ao texto, que propõe pontos como divulgação das emissões e controle de gases de efeito estufa e medidas para substituir combustíveis fósseis. 

“É preciso discutir a redução de emissões de gases, do uso de automóvel e dos resíduos no Carnaval. Não é discussão para daqui a pouco. É para agora”, defende Guilherme Tampieri, participante do comitê desde 2012 e integrante do Movimento Nossa BH. A reportagem procurou representantes da prefeitura no comitê para conhecer seus planos futuros, mas foi informada de que não seria possível falar com eles nos dias após as fortes chuvas. 

Fridays for Future BH

A exemplo da sueca Greta Thunberg, 16, o estudante de ciências biológicas Eduardo Gutseit, 18, passou 2019 tentando emplacar em BH o movimento Friday for Future, criado por ela. Ele organizou audiências públicas, mas a juventude da cidade não aderiu. “Em 2020, a gente quer voltar, ainda mais com esses desastres que as chuvas vêm causando. Seria bom se houvesse mais gente dando opinião, mas poucos estão”, diz.