Exclusão

'Fica a sensação de que meu filho nunca vai ser incluído em lugar nenhum'

Associação orienta que os pais façam solicitações por escrito à instituição

Dom, 15/09/19 - 03h00
A vice-presidente da Associação da Síndrome de Asperger no Transtorno do Espectro Autismo (Asa-Tea), Cynthia Prata | Foto: Alexandre Mota

Ouça a notícia

A jornalista Ana Carol, de 40 anos, recebeu o “não” de duas escolas particulares em Belo Horizonte até encontrar outra instituição que aceitasse o filho Fernando, 7, diagnosticado com autismo.

“Na época, fiquei tão arrasada que não tomei a atitude de denunciar aos órgãos públicos. E, na verdade, não queria colocar meu filho em um lugar que ele não seria realmente acolhido. Fica a sensação de que seu filho nunca vai ser incluído em lugar nenhum, é muito ruim. Se acontecer de novo, acho que denunciaria para tentar mudar essa cultura, pois não tivemos a chance de escolher uma escola como todos os outros pais têm”, lamenta.

A vice-presidente da Associação da Síndrome de Asperger no Transtorno do Espectro Autismo (Asa-Tea), Cynthia Prata, reconhece que essa é uma queixa comum dos pais de crianças com autismo e que também já teve problemas para conseguir a inclusão dos filhos nas instituições de ensino, pois as escolas enxergam aquele aluno como uma fonte de problemas antes mesmo de conhecê-lo.

"Os diretores pensam que o aluno vai tumultuar a sala de aula e trazer transtorno aos outros. E não. A criança com autismo enriquece a sala de aula, ela tem um ponto de vista peculiar e faz com que as pessoas que vão conviver com ela enxerguem diferentes óticas a respeito de tudo”, afirma Cynthia.

Segundo ela, a associação costuma orientar aos pais que buscam a Asa-Tea com esse problema que façam o pedido, seja da matrícula ou de qualquer tipo de adaptação para a criança, sempre por escrito.

“Dessa forma, a resposta também deverá ser por escrito, e assim vai ser mais fácil contestar a negativa junto aos órgãos públicos”, sugere.

O advogado Thiago Elton, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB-MG, acrescenta, ainda, que “a criança tem que entrar na escola e, do portão para dentro, ter, de fato, o direito à educação de qualidade garantido”.

Muita das vezes, não é isso que acontece. Mesmo matriculada, a criança não desfruta de uma educação de qualidade, pois falta a efetivação do que a lei propõe.

Entre as ferramentas que devem ser usadas para a inclusão desses alunos está a elaboração do plano de desenvolvimento individual (PDI), tecnologias assistivas – que são recursos pedagógicos específicos para cada deficiência –, tutores e a elaboração de provas de acordo com a necessidade da criança, por exemplo.

Cynthia acredita que, para criar realmente uma escola inclusiva, é preciso começar utilizando as datas comemorativas para abordar o conteúdo em sala de aula.

“Se as escolas colocassem o assunto em pauta, nas várias disciplinas, eu acho que o preconceito iria diminuir muito”, afirma. 

Agenda

O Dia Mundial do Autismo é celebrado em 2 de abril. Em 21 setembro é celebrado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência e, em 3 de dezembro, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.

Mudança deve começar pelo professor

Ainda hoje existe uma dificuldade cultural de lidar com as diferenças. Por isso, segundo a psicóloga clínica Laura Sander, em alguns ambientes os profissionais da educação ou mesmo familiares de crianças sem deficiência podem mostrar-se resistentes e com preconceitos na hora de incluir pessoas com algum tipo de deficiência.

“O princípio da inclusão deve ser de que todos somos diferentes, não existindo aqueles que são especiais, normais ou excepcionais. O que existe são as pessoas com deficiência e que precisam de acessibilidade para ter acesso aos mesmos direitos que todo cidadão”, diz.

Nas instituições de ensino, a mudança pode começar pelos professores. “Nos últimos anos, as faculdades com licenciaturas têm incluído no seu currículo disciplinas que auxiliam no processo de inclusão, inclusive braille e Libras”, lembra Laura.

A psicóloga acredita que, para termos uma comunidade com uma cultura inclusiva, é necessário pensar em um “processo de maior respeito e aceitação da diversidade humana”. 

“A escola inclusiva é o primeiro passo para pensarmos na ideia de uma sociedade inclusiva, uma vez que possibilita também para as crianças sem deficiência a oportunidade de aprender a lidar com o novo e o diferente”, afirma.

Já para a família, diante da frustração, da raiva ou da tristeza pela recusa da matrícula do filho, a psicóloga orienta que “compreendam os sentimentos e busquem os direitos dos seus filhos”.

“A forma como a reação dos pais vai afetar os filhos pode variar, mas é importante reforçar para a criança ou adolescente que o problema não está nele, e sim no sistema educacional, que ainda falha”, diz Laura.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.