Entrevista

Método incentiva crianças a trocar as telas por movimento

Projeto Joy of Moving foi implementado em mais de 30 países e está sendo aplicado em Poços de Caldas

Por Da Redação
Publicado em 22 de maio de 2019 | 20:52
 
 
José Ângelo Barela é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Rio Claro e coordenador do 'Joy of Moving' no Brasil Foto: Ferrero/Divulgação

As pesquisas já mostraram que as telas são um desafio e um problema. Como vencer esse desafio? A gente deve criar o efeito borboleta. Quando nós pensamos no efeito borboleta vem à nossa cabeça uma borboleta que bateu asas lá na África e desencadeou um furacão aqui no Brasil. Na verdade, tem toda uma teoria mesmo, física e matemática, e que engloba também as motivações iniciais. Um exemplo é o ex-judoca Flávio Canto. Ele conta que a prática desse esporte começou após uma briga na escola. Então, talvez, se ele não tivesse tido aquela briga, aquela situação com aquele colega de turma no final da aula, talvez ele não teria chegado a medalhista olímpico que foi anos depois. Então, ali foi algo que despertou isso nele, algo pequeno, mas que despertou uma mudança que foi se acumulando ao longo do tempo. Ela moldou alguma coisa. Daí a ideia desse efeito borboleta. E é nesse aspecto que o projeto trabalha, de a gente trazer a atividade com prazer, que tenha um significado de “joy” para a criança, ou seja, para ela gostar.

O que pode ser feito para que as crianças queiram fazer outra coisa que não seja apenas ficar no celular?  Não podemos dizer que o celular não seja bom. O celular é excelente, desenvolve questões perceptivas, coordenação motora fina, entre outras habilidades. O problema é que tudo o que é feito em demasia é prejudicial. Então, o celular é ótimo para promover alguns aspectos. As brincadeiras e, no nosso caso, as atividades com as habilidades motoras mais gerais, como coordenação motora mais grossa, são excelentes para desenvolver outros aspectos. Então é justamente a necessidade de a gente despertar esse efeito borboleta, para que elas tenham esse prazer em realizar essas atividades, do mesmo jeito que tem para realizar a situação do celular. Na verdade, o celular, com todos esses jogos eletrônicos, nasce dentro de uma lógica e de um trabalho muito refinado. Nenhuma criança pega um jogo já em um nível elevado. Ela pega no nível básico, que ela consiga avançar, realizar e ser boa naquilo. Uma criança boa em correr, arremessar, boa em chutar, provavelmente vai ter prazer em realizar essas tarefas, e isso aí vai estar rivalizando com essas outras tendências que temos hoje. Então, o Joy of Moving é esse efeito borboleta que está despertando isso aí nas crianças. 

Em que fase está o projeto? O estudo-piloto foi implantado em outubro e novembro, que foi o primeiro momento em que os professores começaram a ter contato com as atividades e a realizá-las nas escola. Em março, nós voltamos e fizemos novamente um minitreinamento com eles e, agora, no final de março, abril e maio que vem realmente sendo implementado. Então temos por volta de oito semanas pelas quais as atividades estão sendo realizadas. E, agora, nós estamos passando por uma segunda fase, porque as atividades eram guiadas. Então, nós sugeríamos as atividades – uma atividade por semana – e, agora, eles vão escolher as atividades de acordo com as necessidades, as condições e os objetivos que eles têm para estar aplicando com as crianças.

Apesar do pouco tempo, o que o método mostra de inovador e o que o difere da atividade física tradicional? Como o próprio nome diz, é muito prazeroso, porque envolve competição para estar estimulando a realização, mas é uma competição sem exclusão, então todos fazem e todos conseguem fazer. E mesmo todos fazendo e todos conseguindo fazer, eles acabam se envolvendo com outros colegas e com o próprio limite pessoal dessas crianças mesmo. Então, chega ao final, e eles estão muito contentes de ter participado dessas atividades. Na educação física tradicional, nós podemos ter duas alas: a que coloca para o esporte e a parte que coloca para o brincar, para a recreação. Esse método não deixa de ter o brincar, mas é um brincar direcionado para os pilares do desenvolvimento cognitivo, motor e social. Para estar desenvolvendo a coordenação motora, a questão de resistência, condicionamento físico, os aspectos cognitivos e para a relação e as atividades da vida. E a bateria de jogos foi pensada para ter atividades equilibradas para cada um desses pilares. Então, por exemplo, se o professor decidir fazer uma atividade mais com aspecto cognitivo, ele consegue optar, fazer uma seleção de vídeos e de jogos que tenha isso, que envolve movimentação, pular dentro de um aro e pular fora de um aro, mas, enquanto eles estão pulando, estão fazendo uma conta de multiplicação, de divisão, somando alguma coisa, falando o nome de uma cor, o nome de um veículo, alguma coisa nesse sentido. O movimentar é uma ferramenta que traz prazer, e as crianças passam a se envolver e a realizar, e, consequentemente, elas cada vez mais têm vontade fazer.

Vocês já percebem resultados? Um aspecto recorrente é que as crianças passaram a pedir agora que as atividades sejam realizadas todos os dias. A nossa proposta inicial era que as atividades fossem aplicadas uma vez por semana. Dentro da situação de Poços de Caldas, que nós temos as creches (os Centros de Educação Infantil), em várias dessas visitas que eu estou realizando, eu vi que elas já criaram um horário específico para cada uma das turmas para terem as atividades do Joy of Moving diariamente. E as próprias professoras já perceberam – nós não temos isso codificado, mas vai começar a ser feito – que as crianças realizando essas atividades ali no pátio, na quadra, onde quer que eles tenham essa atividade, na hora em que voltam para a sala de aula, elas têm um rendimento muito melhor. Têm uma melhor concentração, um maior respeito pelo coleguinha, têm uma maior participação nas atividades que sendo realizadas em sua sala de aula.