No axé “Haja Amor”, lançado em 1987 e que voltou às paradas de sucesso após virar trend no TikTok, Luiz Caldas é provocativo logo nos primeiros versos. “Eu queria ser uma abelha, pra pousar na tua flor”, canta, inteirando na mesma estrofe: “Fazer zum-zum na cama e gemer sem sentir dor”. Versos, aliás, que remetem a um poema repentista de Octacílio Batista Patriota (1923-2003), musicado por Zé Ramalho, que ficou famoso na década de 1980 na voz de Amelinha: “Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor”. 

Mas se, no cancioneiro nacional, o gemido de prazer já foi celebrado e posto como algo desejável, socialmente essa natural manifestação de prazer ainda aparece cercada de tabu, apesar da maior liberdade sexual conquistada nas últimas décadas. É o que indicam as diversas queixas, feitas sobretudo por mulheres que se relacionam com homens cisgênero, sobre a relutância masculina em desativar o modo silencioso durante a transa. Um dado que se confirma à luz de uma pesquisa realizada pela empresa de bem-estar sexual Lovehoney Group. Nesse estudo, feito em 2012, 94% das mulheres entrevistadas admitiram fazer mais barulho do que seus parceiros na transa. Quando foi a vez deles de serem ouvidos, 70% reconheceram fazer menos rumor do que elas durante o ato.  

Essa discrepância nos leva a refletir sobre as influências culturais e sociais que podem ter forjado as diferentes expectativas em torno do gemido durante a relação sexual. Uma questão que é ainda mais intrigante, dado que, no encontro sexual, por natureza multissensorial, tanto homens como mulheres reconhecem que os sons são um componente para a excitação. Diga-se, segundo um levantamento realizado em 2020 pelo site adulto Vivalocal, o gemido aparece como franco favorito na relação de ruídos mais afrodisíacos, sendo apontado por 34% delas e 32% deles como o som que mais gostam de ouvir na cama. Na sequência, vêm a respiração pesada e as conversas eróticas. 

Um entrave para o prazer 

Na avaliação do psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres, o porquê dessa aparente timidez tem muito a ver com a expressão do prazer e a questão da vulnerabilidade. “Algumas pessoas associam o gemido a uma submissão de alguma forma”, pontua, reforçando que esta é uma visão equivocada do gesto. Para ele, portanto, o gemido acaba associado a uma demonstração de prazer mais feminina e, no contexto de uma sociedade machista, pode ser interpretado como um sinal de pouca virilidade. 

Nesse contexto, é importante lembrar que a masculinidade é frequentemente associada à força e ao controle, estereótipos que dificultam a expressão de sentimentos e prazer durante o sexo, inclusive por meio dos gemidos. Além disso, a sociedade estabeleceu uma série de expectativas sobre o desempenho sexual masculino, o que pode levar alguns homens a evitar qualquer comportamento que possa ser interpretado como falta de controle ou virilidade. E esse problema não está restrito às dinâmicas heterossexuais. 

“Machonormatividade”. No artigo “‘Venha se você for homem’: O princípio da masculinidade em orgias entre homens”, o antropólogo Victor Hugo de Souza Barreto investiga e apresenta uma reflexão sobre a masculinidade pensada e gestada entre os participantes de festas de orgia para homens na cidade do Rio de Janeiro. “Nesses eventos não se é mais ou menos homem se você se deixa penetrar, desde que, é claro, você ‘dê como um macho’”, descreve.  

“Quando, por exemplo, alguém se altera durante o sexo e começa a gemer de modo considerado muito alto, em um tom considerado muito fino ou de uma forma muito ‘aviadada’, é logo admoestado pelo restante do público, seja pelos pedidos de silêncio, seja pela ‘zoação’ mesmo. No ‘dark room’, por exemplo, um gemido mais agudo pode ser repreendido com alguém imitando uma voz afetada: ‘Para de gemer! Até parece que tá doendo assim, sua larga!’ Brigas, discussões e xingamentos são comuns durante a festa justamente pelo fato de alguns participantes não saberem se portar segundo os padrões de masculinidade vigentes nesses espaços. A performance do ‘macho’ é a manutenção da ‘respeitabilidade’ nesse contexto. A feminilidade ou a ‘bichice’ são um desrespeito nessas orgias, ferem as regras locais”, expõe o autor. 

Rodrigo Torres ainda lembra que esse fenômeno se estende inclusive para contextos não sexuais. “Já atendi homens, por exemplo, que tinham vergonha de fazer barulho na academia durante os exercícios. Então, muitas vezes, o gemido não é exclusivamente sexual, mas está associado a vulnerabilidades e à expressão de sentimentos. Essa é uma questão importante de se considerar”, situa. 

O que se perde no silêncio? 

Em que pese que cada pessoa tenha suas preferências individuais e formas únicas de se expressar, é válido lembrar que o gemido desempenha ainda um papel fundamental na sensorialidade e na expressão dos sentimentos, além de ser uma forma de manifestação do prazer, sendo uma forma eficiente de mostrar ao outro o que se está sentindo. Nesse sentido, a ausência de ruídos pode afetar a comunicação entre as parcerias, gerando tantas queixas. “Acredito que (as reclamações pelo excesso de silêncio no sexo) ocorrem porque tendemos a mensurar o prazer do outro pelos sinais que o corpo apresenta, como ereção e outros aspectos físicos”, estabelece Rodrigo Torres. 

Portanto, é sensível que a ausência de ruídos na transa pode levar a interpretações equivocadas, gerar inseguranças e até mesmo fazer o sexo ser menos excitante para algumas pessoas. Além disso, para o psicólogo e sexólogo, o que se perde com a falta de expressão do gemido é muito mais do que apenas a questão sensorial. “É sobre a expressão das emoções e mostrar ao outro aquilo que se está sentindo. Acredito que esta seja uma parte essencial da vivência sexual”, situa, acrescentando que vencer essa timidez depende de uma mudança comportamental e de uma expressão gradual do que se sente.