Todo mês acontece tudo sempre igual. Mas, não, TPM não é “tendência para matar”. Nem “tendência a pontapés e murros”, como muitos gostam de ironizar. A sigla representa o que diz o nome: Tensão Pré-Menstrual. Se já era complicado antes, o período que antecede o início do fluxo menstrual tem sido ainda mais difícil para algumas mulheres nesta quarentena. As cólicas, dores de cabeça, oscilações de humor e irritabilidade que acometem pelo menos 80% delas, segundo o Ministério da Saúde, estão agora intensificadas. Reflexos do isolamento social, garantem especialistas.
A arquiteta Ana Sampaio, 30, nem se lembrava mais do que era TPM. Os sintomas vinham apenas como uma cólica muito leve e, às vezes, uma dor de cabeça que durava um único dia. Mas, desde março, Ana, o marido e os dois cachorros começaram a não entender o que estava acontecendo. Precisou até mesmo aumentar a frequência da terapia. “Eu sempre fui muito calma e racional, mas era vontade de chorar por qualquer coisinha, fazia tempestade em copo d’água. Era uma coisa que eu simplesmente não conseguia controlar. Meu marido tinha medo de falar comigo, os meus cachorros perceberam. Eu não suportava a minha própria companhia. Eu entrava para dentro do banheiro e ficava uma hora tomando banho para ficar sozinha. Minhas contas de luz e água que gostaram disso”, brinca.
Isolada por conta da pandemia do novo coronavírus, a arquiteta cogitou ir ao hospital para entender que TPM era aquela. Mas, depois de dois meses com muita cólica e abatida por causa do problema, Ana conversou com sua ginecologista e decidiu interromper a menstruação, usando medicamentos, para aliviar os sintomas. “Se não fosse isso, eu acho que não teria conseguido. A terapia me ajudou demais também. O que estava acontecendo não era a minha TPM de antes. E eu sabia que o problema era TPM, porque os sintomas antecediam a menstruação e depois iam embora. A médica disse que a irritabilidade e estresse por causa da pandemia desregularam tudo, do ciclo ao emocional”, conta Ana.
Na avaliação da professora Márcia Mendonça Carneiro, do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da UFMG, algumas mulheres são mais sensíveis a esse tipo de alteração na rotina. “Elas estão trabalhando mais, cuidam da casa, dos filhos, do marido, precisam cuidar delas mesmas. Quando a pessoa fica confinada, a tendência é que a irritabilidade aumente”, ressalta.
Segundo o Presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Agnaldo Lopes, a quarentena traz uma série de questões do ponto de vista emocional e social que podem causar estresse e ansiedade. Sendo assim, além das dores abdominais comuns durante o período menstrual, causadas pela queda de progesterona e descamação da camada interna do útero, a cólica pode irradiar para outras áreas do corpo nesses momentos de tensão. “Isso acontece porque o sistema de inervação do útero pode se comunicar com sistemas próximos a ele e a mulher ter uma dor correlata na lombar e nas pernas, por exemplo. Mas, além das alterações hormonais, é muito provável que a irritabilidade, as dores de cabeça e a insônia sejam maiores agora. Esse sentimento gera ainda mais ansiedade e estresse e faz com que alguns dos sintomas da TPM fiquem mais intensos”, explica.
E o especialista completa: “Existe um avanço nos quadros de ansiedade de depressão, que são fatores que estimulam a dor. Toda situação psíquica emocional que desorganize a sua capacidade de defesa cerebral vai provocar intensificação de dores que em outras situações você relevaria, mas que nesse cenário passam a te incomodar”, pontua.
Cólica menstrual: maneiras de aliviar o sintoma em casa
Passar pela tensão pré-menstrual na quarentena pode ser desafiador para muitas mulheres, que já estão fragilizadas emocionalmente com a situação. Atualmente desempregada, a professora de português Bruna Almeida, 31, foi morar com os pais pouco antes da pandemia do novo coronavírus. Se a convivência com a família se tornou um desafio durante o isolamento, lidar com a TPM em família tem sido trabalho de malabarista. Mas a professora descobriu na ioga um aliado.
“Na quarentena, as emoções já estão à flor da pele, na minha TPM tem sido muito pior que antes. Eu tenho ficado muito emotiva, o que não é uma característica minha. Agora, tem pai, mãe, sobrinho, irmão, é puxado passar por esses dias em convivência. E eu descobri nesse período a ioga, que tem sido um grande alívio”, conta.
De acordo com a fisioterapeuta pélvica Juliana Reimão, relaxamentos, alongamentos e até banhos quentes podem ajudar nos sintomas da TPM. Outra dica indispensável para o momento é a meditação. “É um período de incertezas, e a maior queixa durante as minhas consultas online tem sido a TPM. Banhos relaxantes e quentes ajudam a liberar a tensão na musculatura. É legal observar a densidade do colchão, se a altura do travesseiro está correta, a posição em que se dorme também, porque o sono influencia. Fazer uma meditação antes de dormir, dançar nem que seja debaixo do chuveiro, no tempo que sobra, auxilia muito na tensão menstrual”, explica.
TPM pode ser confundida com depressão
Tem quem ache que TPM é frescura, mas não é. Em algumas mulheres, os sintomas são mais leves, mas em outras, a tensão pré-menstrual pode vir de forma grave. Tem até mulheres que confundem a TPM com depressão. “Os sintomas, por vezes, são bastante semelhantes. A diferença é que a TPM é algo que aparece cerca de uma semana, cinco, dez dias antes mulher menstruar e depois desaparece. Quando o fluxo começa, os sintomas da TPM começam a desaparecer”, explica o Presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Agnaldo Lopes.
Já a depressão é a perda do prazer em viver, muitas vezes sem relação com um fato triste. A pessoa perde interesse no que gostava de fazer e em aspectos básicos da vida, dormir, comer. "É importante ressaltar que nem tudo é TPM, é um diagnóstico clinico complexo. São pelo menos cinco sintomas para caracterizar TPM. Não existe essa história de que 'fulana' vive de TPM. não se pode jogar toda a culpa na TPM", ressalta Lopes.
A atriz Débora Guimarães, 38, chegou a pensar que a TPM poderia ser depressão. Trabalhando em casa produzindo vídeos para as redes sociais desde março, Débora viu a solidão agravar antigos problemas. O ciclo também mudou completamente, "Na minha TPM sempre fiquei com vontade louca de comer doces e ficar irritada, mas tenho percebido que agora durante esse período vem uma tristeza avassaladora, fico com medo de ser depressão, mas quando olho o aplicativo (de controle de menstruação) vejo que a menstruação que está chegando ai eu entendo o que está acontecendo e consigo me acalmar um pouco", afirma a atriz que tem usado óleos essenciais para ajudar a aliviar a irritabilidade.
E TDPM?
Também conhecida como Transtorno Disfórico Pré-menstrual e já conhecida desde 2000 a.c., a TDPM foi descrita por Hipócrates como tremores, visão turva e depressão em mulheres no período pré-menstrual. Inclui sintomas emocionais, comportamentais e físicos que ocorrem por vários dias ou semanas antes da menstruação, desaparecem durante a menstruação e são capazes de causar transtornos sociais, familiares e no trabalho.
A semelhança entre TPM e TDPM (transtorno disfórico pré-menstrual) é que acontecem e terminam no mesmo período. A diferença é a intensidade dos sintomas. No TDPM os sintomas são intensos e afetam os relacionamentos. O TDPM afeta de 3% a 8% das mulheres. Alguns sintomas são a depressão, a melancolia, a irritabilidade, o desânimo, o descontrole emocional, o choro, a ira, o distúrbio de apetite e a insônia.
"A mulher não pode se conformar a ter uma qualidade de vida ruim, independente se o diagnóstico é TPM. Existe solução e tratamento. Depois que isso é controlado a vida da mulher, da família muda para melhor, até o trabalho fica mais prazeroso. Mulheres não podem se conformar em sentir dor. Tem que mudar esse paradigma de que é normal a mulher ser frágil e histérica por isso", ressalta a professora do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Márcia Mendonça Carneiro.