Cerca de três meses após uma separação conturbada e polêmica, o sertanejo Gusttavo Lima e a modelo Andressa Suita iniciaram um longo e discreto processo de reconciliação, optando por viver uma relação que dispensasse rótulos. Foi o que ela própria admitiu em uma entrevista à apresentadora Sabrina Sato, em fevereiro. “Eu casei, então construí imagem de mãe e esposa… As minhas vontades eram vontades do meu marido. E as minhas foram ficando, (eu fui me) anulando, e, então, isso aconteceu”, refletiu.
Aparentemente, a estratégia está funcionando para o casal, que, agora, mais de um ano após o término, estaria voltando a viver sob o mesmo teto. Mas, ainda que tenha dado certo para Gusttavo e Andressa, a verdade é que as relações não rotuladas ainda são motivo de grande desconfiança.
Respondendo a uma leitora, o escritor gaúcho Fabrício Carpinejar se mostrou cético quanto ao modelo. “Quando alguém não quer nomear a relação, na verdade não é para mantê-la livre dos rótulos, mas para continuar solteiro e prospectando. Sugere até uma atitude poética contra a possessividade, só que se revela numa malandragem para jamais se comprometer e ser posto contra as próprias palavras”, disse em uma publicação no Instagram, inteirando que, nesses casos, a liberdade seria “fachada da falta de responsabilidade”.
“Você pode achar que encontrou um romance moderno, independente, e descobrirá, com o tempo, que se tratava apenas de um sinônimo sofisticado para a infidelidade”, prossegue o poeta e cronista. “Qual o risco? Você entrar com tudo na ambiguidade e não ter nenhuma contrapartida e prova do compromisso”, adverte.
O psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres, por sua vez, enxerga o tema sob outra perspectiva. Para começar, ele lembra que os modelos de relacionamento que escapam a estruturas tradicionais tendem a se tornar cada vez mais comuns e acrescenta que isso não significa, necessariamente, que esses vínculos serão menos satisfatórios. “A ideia de uma estrutura monogâmica do namoro e do casamento convencionais está muito associada a noções do ideal de amor romântico, uma ideia que foi socioculturalmente construída e que tem a ver com a forma como pensamos na nossa sociedade. Porém, estamos vivendo um momento de mudanças, em que muitas dessas antigas normas vão sendo questionadas”, analisa.
Na rotina clínica, Torres comenta receber, ocasionalmente, pessoas que demonstram o desejo e dúvidas sobre experiências de relações não rotuladas. “Mas não vejo nenhum padrão. De um lado, obviamente, pessoas que saíram de uma relação recente podem estar mais reticentes para assumir outro compromisso e, por isso, se decidem por essa alternativa. Então há, sim, pessoas divorciadas que falam sobre essa possibilidade. Porém, de outro lado, há também quem nunca foi casado e não vê necessidade de rotular os vínculos que constrói. E isso acontece, simplesmente, porque nem todos enxergam a vida da mesma maneira”, sinaliza. Portanto, seria incorreto dizer que essa escolha seria mais frequente entre pessoas que passaram por traumas relacionais.
“Muitas vezes, as pessoas adeptas desses novos modelos de relacionamento indicam querer muito preservar a própria individualidade. Em geral, elas também demonstram não estar dispostas a enfrentar as obrigações que, na perspectiva delas, as relações rotuladas impõem”, assinala o psicólogo.
Imaturidade. No time dos que torcem o nariz para essas novas formas de amar, a psicóloga Osmarina Vyel sustenta que “esse tipo de situação normalmente acontece quando a pessoa está com medo de assumir sua própria vida”.
“Por inúmeras questões de ordem emocional e de valores distorcidos, o sujeito faz a escolha de viver nas sombras”, diz, acusando os adeptos de se valer de um discurso de liberdade que esconde problemas mais profundos. “É comum perceber, no tratamento psicoterápico, que isso acontece com pessoas que estão feridas emocionalmente, seja por um relacionamento que não deu certo ou por memórias familiares, em que esse paciente não recebeu o afeto que almejava”, garante.
“Entendo (a opção por arranjos amorosos que dispensam rótulos) como uma imaturidade emocional, pois a pessoa acredita que, dessa maneira, não terá que passar pela dor que outrora viveu”, finaliza a psicóloga.
Responsabilidade afetiva
Os vínculos não rotulados, embora pareçam uma novidade, são velhos conhecidos das dinâmicas relacionais. “Amizade colorida”, “rolo” e “ficante” são algumas das expressões usadas na tentativa de traduzir um tipo de experiência que foge de uma lógica mais rígida.
“Por regra, essa é uma modalidade em que as pessoas envolvidas vão preservar a liberdade e intimidade, podendo, por exemplo, não ter a necessidade de se falar ou de se ver todos os dias. E se as duas pessoas querem manter a relação dessa maneira, não há nenhum problema”, aponta Rodrigo Torres.
O psicólogo não acredita que pessoas que optam por relacionamentos sem rótulo estejam mais vulneráveis a viver em uma situação de ambiguidade que favoreça desacordos e frustrações. Pelo contrário. Ele lembra que esse tipo de construção exige muito diálogo de todas as partes, de forma que os acordos tendem a ficar, talvez, mais bem estabelecidos do que em uma relação convencional, quando muitos dos contratos não são verbalizados.
“O fundamental é entender que a responsabilidade afetiva é algo que deve estar presente em qualquer tipo de relação e que não tem nada a ver com a forma como nomeamos o vínculo que estabelecemos”, indica Rodrigo. “Aliás, no contexto desses novos modelos, eu acho que, talvez, essa autorresponsabilização pelo sentimento e pelas expectativas que criamos nos outros fique ainda mais em evidência”, pontua.