Quando decidiu, recentemente, terminar o namoro, a publicitária Danielle Mota ainda estava apaixonada pelo então parceiro. “Ele está morando em Portugal. Voltaria para o Brasil, mas acabou optando por ficar por mais tempo lá. Eu não quis seguir com a relação a distância e preferi encarar o término”, lembra, sinalizando que, agora, enfrenta o difícil processo de superação daquela história. “Acredito ser possível, sim, se desapaixonar”, sugere, salientando que, para isso, o autoconhecimento é peça-chave. A estudante do curso de engenharia ambiental Sara Espeschit, por outro lado, defende outro ponto de vista. “Não acho que possamos simplesmente deixar de gostar de alguém assim, do dia para a noite, como se essa fosse uma decisão puramente racional… Afinal, o coração vacila”, pontua. O professor Athos Soares concorda. Ele argumenta que, apesar da racionalidade, sentimentos surgem e pode ser difícil lutar contra eles. Mas, se a pessoa se valoriza e acha que a relação não está boa para ela, por mais que vá doer, creio que ela possa se desapaixonar. Sobretudo se tiver o apoio de outras pessoas”, diz.
A opinião dessas pessoas que já viveram amores passageiros ou duradouros, que foram entrevistadas aleatoriamente em uma praça na região Centro-Sul de Belo Horizonte, está mais ou menos em consonância com o que aponta a ciência sobre a capacidade humana de se desapaixonar.
“Diferente do amor, que é um conceito subjetivo a que cada indivíduo vai dar significado, a paixão é um estado neurofisiológico que podemos estudar de maneira mais objetiva, ainda que essa manifestação varie de pessoa para pessoa”, explica o neurocientista e hipnoterapeuta Lucas Kane. “Nesse caso, estamos falando de um estado intenso e, por essa razão, complicado, que pode ser comparado com um estado de demência temporária, havendo inibição de áreas, como córtex pré-frontal dorsolateral, uma estrutura associada à capacidade analítica e racional”, detalha.
A neurociência, portanto, ratifica a crença popular de que a paixão costuma mesmo vir acompanhada de doses de insensatez. É o que indica um estudo publicado em 2015 e realizado por pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade do Estado de Nova York, nos Estados Unidos. A publicação examinou, por meio de ressonância magnética, o cérebro de pessoas que diziam estar recém-apaixonadas e conclui que a emoção ativa o sistema de prazer e motivação, também chamado sistema de recompensas, acionando as mesmas regiões neurais relacionadas à satisfação ao saciar sede ou fome, mas também associadas ao vício. Em termos químicos, isso quer dizer que o sujeito apaixonado sofre descargas de dopamina, um neurotransmissor que dá sensação de prazer. E daí vem aquele desejo de querer mais. Para os cientistas, ficar longe de quem se ama pode gerar até mesmo uma reação parecida com a da abstinência.
Capaz de deixar os nervos à flor da pele, a paixão gera até sintomas físicos, como aceleração da frequência cardíaca, arrepios e aquele friozinho na barriga. Reações explicadas pela liberação de cortisol, o hormônio do estresse, conforme aponta uma pesquisa realizada por estudiosos ligados ao Departamento de Desenvolvimento Humano e Ciências da Família, da Universidade do Texas em Austin, também nos Estados Unidos pulicada em 2009.
Diante de uma reação fisiológica tão consistente, seria mesmo possível, deliberadamente, decidir se desapaixonar? “Eu diria que seria um exagero acreditar nessa possibilidade como algo tão objetivo e simples”, responde Kane. “Contudo, a pessoa pode, sim, tomar a decisão de superar aquela relação e desconstruir aquele vínculo, enfraquecendo esse sentimento”, completa, salientando que, para isso, é preciso encarar essa experiência como um processo, e não como algo instantâneo.
Métodos
Por ser uma tarefa difícil, comparável até à superação de um vício, muita gente busca forma de abreviar a experiência de sobreviver a um ex-amor. Para suprir essa demanda, proliferam na web métodos que prometem curar sem demora a dor de um coração partido. Promessas que, como aquela história de “trazer o amor de volta em três dias”, raramente se mostram efetivas.
“Já vi oferta de cursos e até o uso, como abordagem terapêutica, de técnicas que vão induzir a pessoa a ver o outro de maneira repulsiva, destacando seus defeitos ou mesmo imaginando o ex-amor em situações imaginárias que geram ojeriza”, comenta Lucas Kane. “Pode ser que esses modelos funcionem e a paixão arrefeça, mas essa não é uma forma saudável de lidar com a situação, visto que, apesar de aparentemente superar o sentimento, há indicativos de que pacientes submetidos a esse tipo de tratamento continuam sofrendo”, salienta.
A decisão consciente de se afastar, por outro lado, tende a ser mais funcional. “Sabemos que, por exemplo, ao ficar revendo fotos ou mensagens antigas, essa pessoa estará se expondo a estímulos que vão fazê-la reviver aquela sensação de apaixonamento. Portanto, assim como no caso de pessoas com problemas de dependência química, evitar o contato com esses estímulos tende a ser efetivo”, comenta, ponderando que nem sempre é possível cortar laços. “Caso de casais que tiveram filhos, que terão que criar outras estratégias para lidar com a questão”, observa.
O neurologista garante que a prática de exercícios físicos também ajuda a superar dor emocional. “O córtex cingulado anterior é ativado em momentos em que sentimos dor, seja ela originada por fatores físicos ou emocionais. E ao praticar atividade física, sobretudo aeróbica, inibimos essas atividades cerebrais, e aquele incômodo se torna mais brando”, explica. “Além de tudo, a terapia vai ser uma aliada para que a pessoa compreenda melhor porque aquele término aconteceu, porque ela quer se desapaixonar. E, assim, a pessoa terá condições de lidar com o que sente de maneira mais madura”, comenta.
Viver o luto
Alinhada aos apontamentos de Lucas Kane, a psicóloga clínica Renata de Azevedo lembra que, quando envolve a separação, superar uma paixão envolve a experiência do luto. “É uma situação em que precisamos nos despedir da pessoa, dos planos e das expectativas que tínhamos. Mas, dependendo de como for feito, esse processo pode se tornar mais traumático e o sujeito pode demorar um pouco mais a se acostumar”, sinaliza, adicionando que um dos efeitos disso é que o indivíduo reforce crenças limitantes sobre si próprio – “que vai acabar ficando sozinho, que é um ‘lixo’, que outros são melhores que ele”, diz.
Além disso, atravessamentos culturais podem deixar tudo mais difícil. “Estamos em uma sociedade que pauta as relações pelo ideal do amor romântico, em que somos ensinados que, para sermos completos, precisamos encontrar nossa ‘alma gêmea’, que só assim vamos ser completos. Então, se perdemos essa pessoa que pensamos que é o amor da nossa vida, pensamos que nunca mais seremos completos e vamos nos desesperar”, analisa a terapeuta sexual somática Tami Bhavani.
Enfim, longe de ser um processo fácil, a superação do sentimento é possível, mas exige resiliência e autoconsciência, pois, invariavelmente, via gerar alguma carga de sofrimento. Mais ou menos como canta Martinho da Vila: “Ex-amor/ Gostaria que tu soubesses/ O quanto que eu sofri/ Ao ter que me afastar de ti”.