Saúde e bem-estar

Uso abusivo de telas e falta de exercícios gera aumento de problemas de coluna

Fato de crianças e adolescentes estarem sendo cada vez mais afetadas acende alerta na comunidade científica sobre o tema

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 15 de abril de 2024 | 06:00
 
 

Enquanto vivemos nosso dia a dia, é cada vez mais comum nos depararmos com pessoas que caminham olhando para baixo, mirando a tela do celular, fixadas no ambiente digital e praticamente alheias ao que acontece em volta. Muitas vezes, somos nós mesmos. Esse hábito contemporâneo tem gerado diversos problemas relacionados à coluna, como enfatiza a médica anestesiologista Meira Souza, especialista em tratamentos para dor, acupuntura, prática ortomolecular e medicina do exercício. 

“Além de haver uma projeção do corpo para frente, tem também o fato de as pessoas estarem muito sedentárias, porque a própria tela se transformou em um entretenimento que diverte, envolve, motiva. As pessoas passam horas ali, olhando para a tela, ao invés de utilizarem esse tempo para outras atividades”, pontua a entrevistada. Segundo ela, antigamente a coluna lombar era a mais afetada, e, hoje, além de serem mais jovens, a maioria dos pacientes apresenta reclamações relacionadas à coluna cervical.

Meira alerta para uma preocupação específica com as crianças e adolescentes. “Nesse caso, os problemas são ainda mais relevantes, porque não houve tempo de ocorrer uma formação adequada da própria estrutura da coluna”, sublinha. Condições como cifose torácica e lordose cervical, que eram comumente observadas em idosos, agora têm aparecido com uma frequência preocupante em crianças e adolescentes, o que, de acordo com a médica, “traduz esse uso excessivo de telas”. 

Perigos

Ombros descaídos e cabeça projetada para frente. A recorrência dessa condição a levou a ser denominada de “pescoço de tartaruga”, o que “causa vários danos à coordenação e ao equilíbrio” de quem a desenvolve. “A cabeça precisa estar equilibrada sobre a coluna na mesma direção que a pelve, para que a pessoa mantenha seu eixo ergonômico. Quando projeta a cabeça à frente, o peso gravitacional da cabeça aumenta muito. Alguns livros falam em um aumento de até 14 quilos”, afirma Meira. O resultado é que “a musculatura que precisa sustentar essa cabeça pesada vai ficar contraída, enrijecida, pelo esforço que está fazendo, o que gera dor”, complementa. 

As consequências podem ser graves e interferirem em todo o funcionamento do corpo. Hérnia de disco, artrose e compressões nervosas são apenas alguns dos perigos no que tange a “problemas ortopédicos estruturais”, sem esquecer questões de ordem interna, referentes às articulações da coluna, onde há também passagens arteriais e venosas. “Essa tortuosidade dos vasos pode, inclusive, impedir a chegada adequada do sangue ao cérebro, pelo obstáculo físico dessa coluna afetada”, analisa a médica. 

Essa oxigenação cerebral comprometida suscitaria uma alteração no tórax, “que perde a capacidade da sua expansão adequada, e, com isso, a abertura para a inspiração pulmonar fica encurtada”. “Ao invés de utilizar 100% dessa estrutura pulmonar, a pessoa conta com uma amplitude menor, o que traz um prejuízo respiratório decorrente dessa postura inadequada, como defesa a uma cabeça anteriorizada que gera a cifose, mais conhecida como ‘corcunda’, e aprisiona esse pulmão”, elucida a especialista. 

Desequilíbrio

Do ponto de vista muscular, ocorrências como tendinite, ruptura de tendões e listese vertebral podem advir da má postura, causando muitas dores, e até evoluírem para quadros mais profundos, com a alteração e comprometimento da motricidade, minando as forças do corpo. Sem a devida coordenação e equilíbrio, a própria prática de atividades físicas ficaria em risco. 

“A primeira forma de precaver esses problemas é evitar o uso abusivo de telas. Considero também fundamental colocar a prática da atividade física na nossa rotina, até como um contraponto”, sugere Meira. Ela garante que “uma musculatura bem condicionada” estará mais apta a “enfrentar esse mundo regado a telas”. Com uma sociedade acostumada a combater a dor, primordialmente, por meio de medicamentos, ela considera importante mudar essa lógica vigente. 

“Dores nos ombros, nas costas, na cabeça, na nuca, na região dos olhos, tudo isso pode estar relacionado a uma postura inadequada. Antes de tomar o analgésico, o mais importante é entender o que está gerando as dores”, orienta a médica, que usa uma frase de efeito para explicitar seu raciocínio: “Tomar atitudes ao invés de tomar medicamentos”.

Até porque, ela esclarece que a “a dor é um sinal” de que algo não vai bem no corpo. “O remédio pode impedir o corpo de exteriorizar essa situação. O uso abusivo de relaxantes musculares vai piorar a ergonomia e deixar a musculatura ainda mais fraca para sustentar o corpo adequadamente”, ressalta. 

Pessoas que já têm alteração na coluna devem redobrar a atenção

Pessoas com histórico de problemas na coluna, como lordose e escoliose, devem estar mais atentas ao uso excessivo de telas. A indicação é da médica anestesiologista Meira Souza, especialista em tratamentos para dor. “Quando pensamos nessas pessoas, estamos falando de uma coluna que, em algum momento, perdeu a qualificação muscular e está com essa cadeia estrutural desorganizada, o que predispõe outras desorganizações”, informa Meira. 

Nesses casos, buscar um condicionamento muscular e ter atenção redobrada com a postura corporal é essencial. “São pessoas mais vulneráveis sim, mas, como toda regra tem exceção, muitas vezes elas são mais cuidadosas com o corpo e, assim, compensam a vulnerabilidade com cuidados”, afiança a entrevistada.

Esse cuidado evita que o quadro afete visão, audição, articulação temporomandibular, e resulte, por exemplo, em quadros de bruxismo. “Uma desorganização muscular não fica circunscrita à coluna cervical, pode atingir outras partes do corpo e gerar intensa dor, desqualificando bastante a qualidade de vida da pessoa”, encerra Meira.