Relacionamentos

Você já se perguntou ao lado de quem você deseja envelhecer?

Geriatra alerta sobre a importância de se constituir, desde a juventude, uma rede de apoio que nos ampare na terceira idade

Por Alex Bessas
Publicado em 17 de abril de 2024 | 06:30
 
 
Constituir uma rede de apoio sólida é fundamental para a qualidade de vida no envelhecimento Foto: Prostock-Studio/iStockphoto

Se os relacionamentos, amorosos ou de amizade, funcionam como o eixo central da série “Fim”, lançada pelo Globoplay no ano passado, sendo inspirada em um livro homônimo de Fernanda Torres, é o envelhecimento que faz a trama se mover. As histórias, afinal, se desenrolam em diferentes décadas, sempre no Rio de Janeiro, evidenciando não apenas mudanças socioculturais impostas pelo tempo, mas também – e sobretudo – as marcas íntimas que a vida deixou em cada um dos personagens, que rememoram passagens marcantes de suas trajetórias enquanto lidam com a morte e com os tantos encontros e desencontros, casamentos e separações, amizades e inimizades.

Em “Fim”, com direção de Andrucha Waddington, amizades e amores juvenis que pareciam eternos em um primeiro momento são corroídos por ressentimentos e antipatias, gerando afastamento. Mas há também as relações que perduram, em que o afeto sobrevive ao tempo e se transforma, aparecendo com emoção em um encontro inesperado ou na forma de um dedicado cuidado no dia a dia. Delicadamente, a narrativa tece reflexões sobre como as decisões e escolhas que tomamos ao longo da vida, por vezes até de maneira automática e irrefletida, afetam o nosso envelhecer – o que vale também para os relacionamentos que nutrimos.

Neste sentido, em meio à crescente preocupação com as formas de encarar e vivenciar o processo de envelhecimento, uma pergunta, geralmente ignorada, se impõe: com quem você quer dividir sua velhice?

Na avaliação da geriatra Simone Lima, titulada pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), a questão é tão importante como outras tantas relacionadas à busca por qualidade de vida na terceira idade – como o cuidado com a alimentação, a prática de atividades físicas e uma boa rotina de sono. Algo que precisa ser considerado inclusive diante da realidade de vivermos em um país de população cada vez mais envelhecida. É o que indicam dados divulgados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual em dez anos o número de pessoas com 60 anos ou mais passou de 11,3% para 14,7% da população.

Presente e futuro. “Quando a gente faz escolhas na juventude e vida adulta, tendemos a optar pelo que, naquele momento, nos dá mais prazer ou é mais cômodo, sem pensar muito no futuro, o que é um equívoco”, salienta Simone Lima, lembrando que, com mais idade, muita coisa muda em nossas vidas. “As condições financeiras e de saúde, por exemplo, não serão mais as mesmas. Nossa capacidade física também fica prejudicada. Nessa etapa, portanto, é importante ter ao nosso lado pessoas com as quais podemos de fato contar”, indica.

A especialista ressalta que a rede de apoio no processo de envelhecimento é fundamental e, por isso, precisa ser priorizada ao longo do tempo. “Você pode, por exemplo, constituir relações familiares fortes – com o marido ou a mulher, com os filhos ou sobrinhos, com irmãos ou irmãs – ou nutrir uma rede de amigos que vai desempenhar esse papel”, pontua, lembrando que essas relações têm o potencial não só de prestar suporte e auxílio em momentos delicados, mas também de favorecer uma oxigenação de nossa vida social.

“É algo muito importante, uma vez que é bastante comum que as pessoas idosas sejam isoladas ou se isolem de eventos em que simplesmente são consideradas inadequadas por conta da idade”, assinala, destacando como o “etarismo”, como é chamado o preconceito etário, é presente em nossa sociedade. Um retrato dessa realidade aparece em uma pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em que os idosos elegeram os porteiros como seus “melhores amigos”.

“O porteiro, geralmente, ajuda o idoso em suas limitações físicas e é também companheiro de conversa, despistando a solidão”, analisou o psiquiatra Bruno Brandão em uma recente entrevista a O TEMPO sobre o processo de envelhecimento. 

Solidez e continuidade

“Para fazer frente a esta lógica (que leva ao isolamento e autoisolamento dos idosos), é importante que a gente busque nutrir relações que vão além do prazer imediato. Se você desenvolve diabete e precisa parar de ingerir bebida alcoólica ou comer doce, mas, ao longo da vida, só nutriu relações para esse fim, então dificilmente você manterá esses relacionamentos, se eles se mantiverem pautados por esses hábitos”, pondera.

Contudo, a geriatra lembra que mesmo se constituindo uma rede de apoio ao longo da vida, o tempo pode tratar de desfazê-la. “Uma das coisas que as pessoas falam é que o envelhecimento é um somatório de perdas. Além das perdas financeiras, de saúde, de capacidade física, perdemos familiares e amigos, lidando com a morte de entes queridos”, elabora. 

“Queremos envelhecer com qualidade, queremos ter amigos, familiares ao nosso lado. Mas, infelizmente, isso nem sempre é possível. Talvez a pessoa com a qual escolhemos dividir nossa velhice seja separada de nós”, reflete, dizendo ser preciso resiliência e sabedoria para encarar esse processo. Além disso, Simone adverte que a construção de novos laços não deve cessar quando nos tornamos idosos. “Muitas pessoas vão reconstituindo suas redes de apoio com outras pessoas, com as quais passa a conviver, seja no pilates, na natação ou na pracinha perto de casa”, reforça.