As manchas de óleo no oceano atingiram uma área de 1,5 milhão de quilômetros quadrados em seis anos, o equivalente a duas vezes o território de toda a França, segundo resultados de uma pesquisa divulgada nesta quinta-feira (16) na revista científica “Science”. E quase toda essa sujeira, entre 2014 e 2019, tem a nossa assinatura: mais de 94% do óleo detectado têm origem em atividades humanas.
As estimativas para a origem humana do óleo são consideravelmente maiores e mais abrangentes do que as de outros levantamentos realizados até o momento. Os pesquisadores americanos e chineses das universidades de Nanjing, do Sul da Flórida e Estadual da Flórida usaram mais de 563 mil imagens de satélite para detectar cerca de 452 mil locais com manchas de óleo em mares de todas as regiões do mundo.
Além de pontos com vazamentos naturais (o escape da substância de reservatórios naturais no fundo do mar pode acontecer, mas só cerca de 6% da área detectada com óleo tinha essa origem), a análise encontrou frequentes vazamentos e descartes de óleo de infraestruturas de exploração de petróleo e gás no mar.
O mapa global de poluição construído pelos cientistas aponta que os vazamentos ou lançamentos estão concentrados, principalmente, nas costas. Cerca de 50% das manchas ocorreram em uma distância de 38 quilômetros do litoral, com o pico delas a cerca de sete quilômetros.
As regiões mais críticas, segundo os pesquisadores, são os mares de Java (próximo à Indonésia) e do sul da China, além do Golfo da Guiné (na África). Em alguns locais, os cientistas afirmam ter observado frequências de vazamentos alarmantes, que poderiam significar falta de fiscalização ambiental marinha — o que poderia ser facilmente resolvido com monitoramento por satélite.
A contaminação marítima por óleo vai além de vazamentos em plataformas e fontes naturais. A sujeira também pode ter origem ainda em terra — e acabar no mar — e no descarte ou escape de óleo de navios.
Transporte marítimo causa 20% das manchas de óleo nos oceanos
Aproximadamente 20% da poluição oleosa marinha têm origem no transporte marítimo, aponta a pesquisa. A partir das imagens de satélite, os cientistas conseguiram identificar locais com elevada quantidade de manchas que coincidem com rotas de transporte marítimo, além de outras mais de 82 mil manchas lineares que, provavelmente, estavam relacionadas com o escape de navios.
Como o Brasil contribui para as manchas de óleo no oceano
É em meio a essas "outras fontes" de poluição (vazamentos em terra e de navios) que o Brasil é citado no trabalho publicado na “Science”. Os dados da pesquisa apontam que todas as manchas identificadas no país no período do estudo estavam dentro desse grupo de "outras origens", ou seja, não tinham relação com plataformas, canos ou fontes naturais.
Vale lembrar que o período de tempo em que foi feita a coleta de dados por meio de imagens satélites coincide com a catástrofe ambiental de manchas de óleo que se espalharam pelo litoral brasileiro, especialmente no Nordeste.
Mais de mil locais em 11 estados brasileiros foram atingidos pelo petróleo que teve origem, segundo a Polícia Federal (PF), no navio Bouboulina, de bandeira grega. A investigação da PF aponta que a empresa Delta Tankers, o comandante Konstantinos Panagiotakopoulos e o chefe de máquinas Pavlo Slyvka não comunicaram às autoridades o descarte do material no oceano. Todos eles foram indiciados.
As investigações brasileiras demoraram até achar um responsável. A conclusão da PF veio somente no fim do ano passado. Em parte, isso pode ser explicado por algo que ficou evidente enquanto as manchas chegavam às praias brasileiras: não necessariamente é simples detectar descartes de óleo por imagens de satélite e associar a uma origem. As manchas podem se mover por baixo da superfície (algo que foi presenciado no caso brasileiro) e a trajetória pode ser afetada por ventos e marés, como apontam os autores do estudo na “Science”.
Mas, além do vazamento histórico no Brasil em 2019, outras manchas ainda chegam às praias brasileiras. Neste ano, praias do Ceará já foram atingidas por óleo. Em pelo menos um dos casos, após análises do material, foi apontado que a origem não era o navio grego responsável pelo problema de 2019. A pesquisa aponta também que a contaminação por óleo é considerável nas costas de países emergentes, como China, Vietnã, Indonésia, Malásia e Brasil.
A liberação de óleo no oceano é um problema relevante, podendo afetar a vida marinha — uma das preocupações no Brasil era o possível impacto nos corais do Parque Nacional Marinhos dos Abrolhos, que possui uma biodiversidade singular — , levar à perda de diversidade e à contaminação das cadeias alimentares.
Referindo-se à poluição por transporte marítimo, como ocorreu no Brasil, os pesquisadores afirmam que, apesar da existência de convenção internacional que trata da poluição por embarcações marítimas, a contribuição substancial de descarte de óleo por navios mostra uma necessidade urgente de maior regulação e cooperação internacional no setor.
(Phillipe Watanabe / Folhapress)