QUILOMBOLA

Você sabe quem foi Juventina Paula de Jesus, que dá nome à Maternidade?

Conheça a história da filha de Arthur Camilo Silvério, patriarca dos Arturos, e de Carmelina Maria da Silva.

Nome da Maternidade de Contagem é homenagem a mulheres, mãe e povos de origem africana da cidade | Foto: RICARDO LIMA/PMC/DIVULGAÇÃO
PUBLICADO EM 20/09/19 - 16h24

O Centro Materno Infantil (CMI) Juventina Paula de Jesus, que integra o Complexo Hospitalar de Contagem (CHC), juntamente com o Hospital Municipal José Lucas Filho (HMC), foi inaugurado em 2016, mas o funcionamento efetivo da estrutura atual – pronto-atendimentos obstétrico e pediátrico, centro de parto normal, bloco obstétrico, alojamento conjunto, enfermaria e CTI pediátrico – concretizou-se somente em 2017, na atual gestão.

Desde então, o CMI vem realizando milhares de atendimentos. Na assistência ao parto, por exemplo, os números não param de crescer. De acordo com a coordenação do CMI, ao longo do ano de 2017, foram feitos 3.838 partos na unidade, 629 partos a mais do que em 2016, quando 3.209 partos foram feitos. O acumulado de 2018 foi de 4731 partos. Já em 2019, no mês de agosto, o CMI alcançou a marca de três mil partos realizados, com práticas de assistência alinhadas àquelas preconizadas pelo Ministério da Saúde (MS) e às diretrizes da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), que busca incentivar o aleitamento materno e reduzir índices de mortalidade infantil. Mas, você sabe quem foi Juventina Paula de Jesus, que dá nome ao CMI?

Pelo que se sabe a partir de relatos, Juventina Paula de Jesus nasceu entre as décadas de 1920 e 1930. Graças a seu trabalho como parteira, exercido durante anos, foi escolhida para dar nome ao CMI. Trata-se de uma homenagem a uma mulher, negra, que se estende também a mães e povos de origem africana que resistem no município, simbolizados pela Comunidade dos Arturos.

Os Arturos são um quilombola encravado na região central de Contagem, no qual atualmente vivem cerca de 90 famílias. A comunidade foi certificada como remanescente de quilombo em 2003 e, em 2014, foi declarada Patrimônio Cultural Imaterial do município de Contagem e do estado de Minas Gerais. Os Arturos preservam tradições dos negros que foram trazidos da África para o Brasil, por meio de festas e celebrações, como a Festa de Libertação dos Escravos, em 13 de maio, e resistem à especulação imobiliária comum aos centros urbanos.

Falecida em 2005, Juventina Paula de Jesus integra o núcleo originário dos Arturos e é filha de Arthur Camilo Silvério, patriarca da comunidade, e de Carmelina Maria da Silva. Dos dez filhos que o casal teve, apenas um deles está vivo: Mário Braz da Luz, 86 anos, conhecido como Seu Mário. O octogenário senhor, famoso por suas benzeções, conta que aprendeu os segredos do ofício com Juventina, sua irmã, há mais de cinco décadas. “Juventina era parteira e também benzedeira. Foi ela quem me ensinou a benzer, há 51 anos. Eu ficava zombando dela e das benzeções, mas uma vez ela me falou “um dia, você vai [aprender a benzer]”. Quando foi em um dia, me deu uma dor de cabeça, um mau-olhado. Ela benzeu minha cabeça. No dia seguinte a dor de cabeça tinha sumido. Pensei “não vou dar gozeira nela mais não, porque o negócio funciona mesmo”. E aí ela falou ” eu vou ensinar você a benzer””, relata Seu Mário, em linguajar coloquial e firme no propósito de passar a mensagem.

Ele também conta que, a princípio, ficou reticente com a possibilidade de se tornar, também ele, um benzedor, mas que, certo dia, frente à necessidade colocada pelo curso da vida, precisou usar os conhecimentos aprendidos com a irmã Juventina para benzer uma pessoa, que, garante ele, “sarou com a benzeção”. “Isso faz 51 anos”, reforça Seu Mário, que até hoje costuma receber dezenas de pessoas semanalmente, na Comunidade dos Arturos, para seguir com sua missão de rezador, orientador e curador espiritual.

Sobre a extraordinária capacidade de Juventina de ajudar a trazer bebês à luz, Seu Mário comenta que essa habilidade se deve também à convicção da irmã de querer ajudar as pessoas. “Juventina era muito querida e criou muita amizade. Naqueles tempos, debaixo de chuva, não tinha condução, eu é que levava ela para os partos, nós dois montados no lombo de um cavalo. Os partos eram feitos nas casas das mulheres e eu ficava do lado de fora, esperando, porque não podia entrar, eram só ela e a mulher, e depois, a criança. Como eu não via nada, só ouvia uma gritaiada. Ela dizia “o avião tá chegando”, e era assim que os bebês eram anunciados. E eu, que era bobo, acreditava”, diz Seu Mário, com uma boa risada logo na sequência. “Muita gente aqui em Contagem nasceu com ela. Mesmo debaixo de chuva, no lombo de cavalo, a gente saía e corria para fazer menino nascer. Eu falava “vai devagar, Tina”, e ela respondia “não, estão precisando de mim”, testemunha o mais famoso benzedor de Contagem.

Juventina teve cinco filhos, sendo que quatro deles estão vivos. Um desses filhos é Maria Inês Lima Dias, de 63 anos. Ela tem três filhos, que nasceram dentro da casa da Juventina. “Aqui, quando era o tempo mais antigo, ela fez muito parto nos Arturos, de primos, sobrinhos e, também, de pessoas de fora da comunidade. Ela também cortava umbigo, ela que cuidava”. A exemplo de Seu Mário, apesar do parentesco com Juventina, Maria Inês nunca chegou a presenciar um parto feito pela mãe, o que envolve ainda mais em mistério esse momento espetacular, que o nascimento de um ser. “Eles não deixavam a gente ver, a gente sempre ficava do lado de fora. Era sempre ela e a mãe, só ficavam as duas lá dentro e a gente não via, não”, frisa a filha de Juventina.

Preconceito contra o povo negro ainda é uma chaga a ser enfrentada

Maria Auxiliadora da Luz, 82 anos, é esposa de Seu Mário. Ela conta que na Comunidade dos Arturos ela não vivencia situações que envolvem racismo, mas avalia que o povo negro ainda é alvo de muito preconceito. “Aqui na comunidade, não. Fazemos nossas festas, as pessoas vêm, já sabem que é festa de negro. A festa de 6 de outubro já está sendo preparada desde agora, e já tem gente envolvida na confecção das bandeirinhas, por exemplo, inclusive gente de fora. As coisas hoje são mais fáceis. Em relação à preservação da nossa cultura, eu não acho difícil permanecer com nossas tradições. Temos mais acesso e condições, parcerias e muitas doações. Muitas pessoas novas já chegaram e aprenderam a fazer. E a prefeitura ajuda muito. Temos médicos que vêm até aqui em casa nos olhar, as enfermeiras, então, nós vivemos tranquilos aqui. Mas, lá fora, ainda enfrentamos muita dificuldade. Faz pouco tempo, fui receber no banco, e fui bem discriminada. Cheguei às duas e meia, e muitas pessoas que foram chegando depois de mim foram sendo atendidas primeiro. Pensei: “será que é pelo fato de eu ser preta e pobre que estou aguardando até agora?”. Mas acabou que eu reclamei e conseguir ser atendida. Nessas coisas, ainda precisa melhorar muito”, afirma Maria Auxiliadora.

O que é uma comunidade quilombola?

Durante cem anos após o fim da escravidão no Brasil, o termo quilombo foi usado para nomear locais com grandes concentrações negros que se rebelaram contra o regime colonial. Com a Constituição Federal de 1988, o termo “quilombo” teve seu conceito ampliado, sendo atualmente utilizado para designar áreas ocupadas por comunidades remanescentes dos antigos quilombos.