Desde meus tempos de acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na velha Casa de Afonso Pena, na praça Afonso Arinos, ouço dizer que, em nosso país, há leis que pegam e leis que não pegam. Isso já aconteceu e ainda acontece aqui. Exemplos não faltam. E há leis, sobretudo no mundo penal, também aqui, que alcançam – ou para o bem, ou para o mal – somente a alguns de nós.
Há, hoje, os que aceitam que a Constituição Federal também possa ser entendida assim, vale dizer, como mais uma lei que não pegou. E, pior: poucos se lembram de que fomos nós, brasileiros, os únicos responsáveis pela Carta de 1988.
A celeuma sobre permissão de prisão em segunda instância terminará na semana que vem. Uma celeuma infeliz, criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pois o artigo 5, inciso LVII, da Constituição de 1988, nunca mudou. Ela só trouxe prejuízo à nossa cidadania e à compreensão do que sejam, no regime democrático, as garantias individuais E, dentre elas, está a da presunção da inocência – uma das mais importantes.
A polarização em torno do assunto induziu análises disparatadas, quando não eivadas de ideologia e/ou de pura má-fé. Tudo isso, infelizmente, fortalece as tendências autoritárias à vista.
Deixe que fale por nós, leitor, a ministra Rosa Weber, cujo voto – didático e histórico –, na sessão da quarta-feira da semana passada, dia 23, na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a tornou inesquecível: “O Supremo Tribunal Federal é o guardião do texto constitucional, não o seu autor. Optou o constituinte não só por consagrar expressamente a presunção de inocência, como a fazê-lo com fixação de marco temporal expresso ao definir, com todas as letras, queiramos ou não, como termo final da garantia de presunção de inocência, o trânsito em julgado da decisão condenatória. Goste eu pessoalmente ou não, esta é a escolha político-civilizatória manifestada pelo poder constituinte. Não reconhecê-la, com a devida vênia, é reescrevê-la para que espelhe o que gostaríamos que dissesse (dirigindo-se aos ministros), em vez de observar”.
De novo se dirigindo aos seus colegas, com coragem e clareza, completou: “Temos o poder de invalidar leis, mas não fomos investidos de autoridade para negar vigência à própria Constituição”.
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esse princípio consta da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 (da Organização das Nações Unidas). Para alterá-lo, a fim de que se resolva a celeuma criada, que se usem os meios legais. O que não se pode é violar a Carta, responsável pela democracia no país.
Aguardemos “quem tem o direito de errar por último”.
Até lá, caro leitor!