Opinião

Aborto oriundo de estupro

Resolução do CFM veda procedimento após 22ª semana de gestação

Por Ives Gandra da Silva Martins
Publicado em 19 de abril de 2024 | 07:10
 
 
Ives Gandra Martins Aborto oriundo de estuprojpg Foto: Ilustração/O Tempo

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, no “Diário Oficial da União” (“DOU”), a Resolução 2.378, de 2024, que veda a realização da assistolia fetal em gestações com mais de 22 semanas para casos de aborto oriundos de estupro. Ou seja, declarou que, a partir da 22ª semana de gestação, mesmo nas hipóteses permitidas pelo artigo 128 do Código Penal, que são os casos de aborto terapêutico ou do aborto por estupro, já não é mais possível realizar o aborto.

O procedimento provoca a morte do feto por meio da administração de substâncias – geralmente são aplicadas altas doses de cloreto de potássio no coração de bebês com mais de 22 semanas de gestação – para, depois, ser retirado do útero da mulher.

A definição desse prazo final pelo Conselho Federal de Medicina tem sua razão de ser. É que o nascituro com 22 semanas tem condições, embora prematuro, de sobreviver. Então é um ser humano pleno, com a possibilidade de viver fora do ventre materno por causa das técnicas modernas de recuperação do feto nessa fase de desenvolvimento.

Agora, a partir dessa histórica resolução do Conselho Federal de Medicina, as crianças com mais de 22 semanas terão direito ao parto antecipado. Caso a mãe não queira permanecer com o filho, ele deverá ser encaminhado para adoção. É um ser humano.

O Conselho Federal de Medicina diz que o aborto nos casos de estupro é permitido antes da viabilidade de vida extrauterina, o que desaparece a partir da 22ª semana. Há muitos que têm criticado essa decisão, dizendo que o Código Penal, de 1940, permite o aborto em qualquer hipótese. A ser válida a tese, matar um nascituro um minuto antes de ele nascer não seria crime, mas um minuto depois de nascido seria um homicídio. Nada mais ilógico que tal interpretação.

Não é verdade, também, porque nós temos um princípio na Constituição Federal que consagra a inviolabilidade do direito à vida. Vale dizer que, se a vida extrauterina é possível a partir da 22ª semana, significa que aquele ser humano tem a garantia absoluta constitucional à vida pelo “caput” do artigo 5º, que explicita quando começa a ser inviolável o direito à vida.

Sempre defendi que, após a Constituição de 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada, o próprio Código Penal tinha sido revogado. Sendo assim, qualquer que fosse a hipótese do aborto seria proibida, porque a vida começa na concepção. Aliás, é o que diz o Código Civil, em seu artigo 2º, e o que dizia o Código anterior, no artigo 4º.

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, em um autopoder outorgado de legislar, criou uma terceira hipótese de não punibilidade, que é a do aborto eugênico. Não se trata, pois, do aborto terapêutico, caso em que a gravidez gera risco de morte à mulher, mas, sim, do caso em que o feto está malformado, hipótese essa não criada pelo Poder Legislativo, mas por um poder autoconcedido ao Judiciário, já que não consta da legislação.
Portanto, essa terceira hipótese, a do aborto eugênico, foi criada pelo Supremo Tribunal Federal para não permitir que um feto malformado venha a nascer.

Ora, a decisão do Conselho Federal de Medicina é de absoluta lógica: se o feto tiver condições de vida extrauterina, não poderá haver aborto, porque aquele nascituro continuará a viver fora, assim como está vivendo no ventre materno.

Então as críticas que fazem ao Conselho Federal de Medicina, além de não serem aceitáveis, representam, na verdade, a defesa do homicídio uterino, do assassinato de seres humanos já com condições de vida fora do ventre materno.

Quero, pois, cumprimentar o Conselho Federal de Medicina por ter tomado científica posição em relação às hipóteses de aborto permitidas pelo Código Penal no artigo 128, enquanto o feto não tiver condições de vida extrauterina. Tendo condições de vida extrauterina, em nenhuma hipótese, o aborto é permitido.

Ives Gandra da Silva Martins é presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP, jurista e professor