Opinião

As “três vozes de Minas” e a Lei Kandir

Ouro, terra e minério

Por Mauro Werkema
Publicado em 27 de março de 2024 | 07:10
 
 
Modelo Artigos 1 (1)jpg Foto: Ilustração/O Tempo

O historiador mineiro José Murilo de Carvalho diz que Minas Gerais tem “três vozes” na sua história de ciclos econômicos: as vozes do ouro, da terra e do ferro. A primeira, do ouro, da Minas inaugural, mineradora, urbanizadora, caótica e rebelde, foi a voz do sonho e da liberdade. A segunda, da terra, foi da Minas rural, conservadora, ordeira, patriarcal. A terceira é a dos nossos dias, da economia do ferro, das minerações e siderurgias e da preocupação ambiental.

Hoje, esse universo mineiro revela e salienta o histórico traço exploratório das riquezas de Minas, de solo e subsolo, e que deveria já ter propiciado melhores condições econômicas para os mineiros.

Tais considerações nos remetem à grave crise financeira do Estado e à tão falada Lei Kandir, apontada como um dos fatores da falência orçamentária de Minas e da elevada dívida. Em setembro de 1996, o então ministro do Planejamento, Antônio Kandir, propôs a isenção do ICMS para as exportações de produtos primários e semielaborados, ou seja, não industrializados, adotada por Fernando Henrique Cardoso. Minas, Estado minerador, perdeu elevada arrecadação sem os recursos que obtinha com a exportação do minério de ferro, mas também de outros produtos minerais, de que Minas é particularmente rica, como ouro, manganês, diamante, nióbio, pedras ornamentais, bauxita, gemas, zinco, e também alguns recentes, como níquel, césio, grafeno, materiais da construção e muitos outros. E hoje o volume de minérios exportados é extraordinariamente muito maior, especialmente o do minério de ferro.

Calcula-se que Minas tenha perdido, em números de hoje, perto de R$ 180 bilhões, e as compensações prometidas, mesmo com decisão favorável do STF e outras proposições negociadas, não se realizaram. O Estado recebeu apenas R$ 8,7 bilhões, dos quais cerca de R$ 2 bilhões dos municípios. Os recursos perdidos seriam suficientes para quitar a dívida de Minas, orçada em R$ 180 bilhões, e para a qual se procura uma solução, discutindo-se a venda ou federalização da Cemig, da Copasa e Codemig/Codemge, as maiores empresas do Estado, conquistas e riquezas do povo mineiro.

O presidente da Associação dos Municípios Mineradores, José Fernando Aparecido de Oliveira, diz que “já passamos pelos ciclos do ouro e do diamante e sustentamos a primeira revolução industrial inglesa. E, agora, sustentamos a industrialização da China”. E o industrial brasileiro paga pelo minério e matérias que consome, em competição desfavorável com o exterior. E Minas perde substancial parcela do seu principal imposto para beneficiar nações estrangeiras. Cabe lembrar frase célebre do governador Artur Bernardes (1918-1922), nacionalista, que marcou sua gestão com resistência aos capitais ingleses que exploravam Itabira e que convidou o rei Alberto, da Bélgica, em 1920, a vir a Minas e investir na siderurgia: “O minério não dá duas safras”.

Cabe nesse debate também a questão da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), de 3,5% da renda das exploradoras do minério de ferro, paga aos municípios mineradores e parte ao Estado. E a alíquota é bastante reduzida para outros minerais de que Minas Gerais é rica. A Cfem é hoje importante receita para os municípios, mas há consenso de que é pequena quando comparada à de outros países, onde situam-se entre 5% e 7%. Enfim, caberia uma nova voz para o atual momento de Minas Gerais para, no mínimo, pedir justiça perante os prejuízos da Lei Kandir.

Mauro Werkema
Jornalista