Opinião

Juiz das garantias

Serviços judiciais de qualidade e investimento público

Por Reis Friede
Publicado em 26 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 

Não é novidade que o Brasil convive com inúmeros dilemas, os quais não podem ser rotulados como mentiras. Destes, um dos mais conhecidos é que o país carece de um maior número de juízes.

O Brasil possui 22.571 cargos de juiz autorizados por lei, ainda que apenas 18.168 estejam providos. Praticamente nenhum país do mundo – em um conjunto de cerca de 200 nações – ostenta um número tão expressivo de magistrados custeados pelos cofres públicos.

Em termos computados por habitantes, o nosso país está acima da média internacional. No Estado brasileiro, há cerca de 11 juízes para cada 100 mil habitantes, dado muito superior ao quantitativo existente na Índia (1,3), no Japão (3,0), no Canadá (3,2), na Inglaterra (3,8) e no Chile (5,0), ainda que ligeiramente inferior ao de dois países, unicamente: Portugal (19,2) e Alemanha (21,9). É preciso considerar que estes dois últimos possuem em seus quadros juízes administrativos, os quais entram no cômputo do total de magistrados desses países a despeito de não integrarem a hierarquia do Judiciário, sendo “julgadores” com atuação restrita ao âmbito do Poder Executivo – o que faz com que a análise comparativa não corresponda a uma completa verdade.

No que concerne ao número de tribunais, o Brasil já ingressou no rol de uma fantasia. Aqui, existe quase uma centena deles – atualmente, há 91 tribunais instalados. Por mais incrível que pareça, ainda se cogita da criação de outras Cortes de Justiça, sem previsão de extinção de qualquer uma das existentes.

Confrontar realidades distintas é perigoso. Não há como averiguar se de fato o Brasil carece ou não de mais magistrados sem procedermos a uma comparação com o que acontece em outros países.

Os EUA têm uma população aproximadamente 50% superior à do Brasil. Respectivamente, 330 milhões e 210 milhões de habitantes. Todavia, enquanto eles possuem apenas 870 juízes federais, nós possuímos 2.193. E desejamos ter mais, notadamente a partir da inconsequente ideia de se criar mais um cargo na magistratura: o de juiz das garantias.

De modo geral, parte-se da premissa de que as ideias são movidas por nobres intenções. Nesse sentido, não há como negar a nobreza argumentativa em prol da criação da figura do juiz das garantias. Pode-se dizer que o ideal seria que o Brasil contasse com mais juízes. Por exemplo, que não tivéssemos só 11 juízes para cada 100 mil habitantes, mas sim um juiz para cada mil habitantes.

Isso não quer dizer que tenhamos que parar o desenvolvimento das nossas instituições e, especialmente, do Poder Judiciário. Em alguns casos, há evidentes carências a serem supridas, ainda que, na maioria delas, existam excessos.

Um dos exemplos é o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Não é razoável que essa Corte de Justiça – que abrange 62% do território nacional e 14 Estados federados – seja considerada um tribunal de “dimensões adequadas”. Provavelmente, a intenção de se criar um sexto Tribunal Regional Federal – proposta encaminhada, por iniciativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de projeto de lei –, com sede em Belo Horizonte, Minas Gerais, seja uma brilhante ideia, advinda de gestores que, de fato, pensam nos interesses nacionais.

Não seria sensato imaginar um Tribunal Federal em cada Estado, a exemplo do que acontece com os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), agora beirando uma projetada ociosidade, sem que ninguém pense em reduzir as suas estruturas e o seu próprio quantitativo. Uma prestação jurisdicional de qualidade não se faz necessariamente com mais dispêndios financeiros. A realidade nacional já demonstrou que com mais inteligência, e até mesmo com menos recursos, é possível prestar um serviço público melhor e mais eficiente.