Nunca houve alguém que me cobrasse exames médicos, consultas e controle como a minha esposa.

Achei que fosse uma mineirice. Uma consequência do temperamento protetor do mineiro. Porque todo mineiro é maternal no momento de falar da saúde. Ele muda até a inflexão das sobrancelhas, com um dodói acrescido na voz.

Eu, então, perguntei do que ela tinha medo.

Ela me respondeu:

— Você é a única pessoa do meu mundo. Se morrer, quem vai me cuidar?

Eu baixei os olhos de pesar. Ela já perdeu sua mãe, seu pai se encontra sem condições de falar e com movimentos comprometidos por sequela de um infarto. É natural que tema que mais um dos seus apoios seja subtraído de sua vida.

Ela me cuida para que eu cuide dela também. É um generoso instinto de sobrevivência.

Para quem já viu a sua mãe ser levada pela leucemia fulminante, para quem não tem mais uma mãe no Dia das Mães (pelo sétimo ano consecutivo), para quem viu seu pai ser neutralizado pela doença cardíaca, a preocupação é amor puro pelo futuro. Não posso jamais entender suas advertências como implicância.

Nem sempre observamos o nosso entorno. Nem sempre reparamos naquilo que está sentindo quem nos acompanha: a solidão, as dores do luto, a influência das perdas.

Achamos sempre que a relação é feita diretamente, superficialmente, pela realidade imediata entre duas pessoas. Na verdade, só enxergamos as nossas necessidades.

É como se o outro não arcasse com o passado e com os fardos nos ombros.

Eu queria dizer para Beatriz que eu lamento todo o sofrimento que ela já enfrentou sozinha como filha única, desprovida de um irmão para dividir as despesas do coração.

Se depender de mim, meu braço será o seu corrimão pela minha existência inteira. Não posso segurar a sua dor, mas posso segurar a sua mão enquanto ela segura a sua dor.

Tenho noção de que tudo o que estamos construindo de intimidade é indestrutível. Tanto que, quando eu falo “eu te amo” para ela, é um amor atualizado, não é igual ao amor do minuto anterior. Significa que eu a amo mais do que na última vez em que eu disse. É sempre um novo e maior “eu te amo”.

Tento fazer com que a palavra não se atrase, mas as emoções são mais pontuais do que a fala. Há um delay que não consigo evitar.

Sequer posso recuar ao tempo em que não a conhecia. Ela se espalhou pela minha memória.

A minha felicidade de antes parece que foi uma longa preparação para dividir hoje os dias com ela, a minha esperança de antes parece que foi desanimada perto da que carrego atualmente em nossa cumplicidade, a minha fome de antes parece que foi somente apetite.

Beatriz rema comigo, e o barco é firme. Ela rema com o mesmo entusiasmo que eu pelo nosso casamento. Não preciso remar rápido para compensar a água enchendo o barco ou a eventual ausência de engajamento de meu par, pois já aprendi que excesso de esforço na relação é quebra de reciprocidade e que a pressa disfarça o naufrágio.

Peço a todos que estão casados que ofereçam um maior amparo a sua esposa ou seu marido caso estes não tenham mais uma mãe para celebrar o segundo domingo de maio. Sejam um pouquinho mais presentes para a ausência não machucar tanto.

Não existe como garantir que viverei longamente, como Beatriz idealiza. Só Deus sabe. Mas lutarei para estar com ela incansavelmente.

O amor não faz milagres porque ele já é o próprio milagre.