O TEMPO

Carta a Eduardo

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Por Vittorio Medioli
Publicado em 27 de outubro de 2019 | 03:00
 
 

Peço licença ao leitor que acompanha minhas colunas de domingo para, no espaço de hoje, dirigir-me a Eduardo Borges de Andrade Filho, atual presidente do conselho de administração da Construtora Andrade Gutierrez.

O senhor foi presidente executivo do grupo Andrade Gutierrez (AG) entre os anos de 1978 e 2001. Hoje, preside o conselho de administração do grupo. Neste link, facilmente consultado na internet, consta que possui em seu nome 146 empresas e um capital social de R$ 702.927.839.295,00.

Pois é, o senhor, que controla total ou parcialmente todo esse patrimônio, exerce grande influência sobre o grupo empresarial que ajudou a construir. Os R$ 702 bilhões que acumula, juntamente com seus sócios, equivale ao Orçamento dos últimos sete anos do Estado de Minas Gerais, onde o senhor nasceu, ou a quatro séculos de receita do município de Betim, onde seus familiares possuem propriedades.

Resta a entender qual é a necessidade de cobrar desta cidade o precatório de R$ 480 milhões. Apenas um despropósito transitado em julgado.

Não há dúvida para mim, que assumo essa afirmação, de que essa dívida foi constituída por meio de fraudes facilmente comprováveis ou apenas dedutíveis. Talvez seus advogados não o informem, mas correm quatro ações que imputam ao senhor sérias responsabilidades de ordem criminal referentes a esse assunto. Até por isso, a expectativa dos honorários que os colocam em frenesi deveria chamar-lhe a atenção para uma análise mais aprofundada, em um momento em que meio milhão de moradores de Betim estão à beira da desintegração de seus serviços públicos, especialmente os de saúde.

Escrevo-lhe como prefeito deste município, que, recentemente, foi notificado pelo TJMG do bloqueio que será realizado no próximo dia 5, no valor de R$ 47,8 milhões, como primeira parte do total de R$ 480 milhões, fruto da omissão de muitas pessoas, que, em tempo, não apresentaram o mínimo de contestação.

O senhor sabe muito bem que não existia qualquer dívida, mas insiste e numa terceira e despudorada tentativa de ganhar valores astronômicos sem nada fazer. Mais um precatório grosseiramente fabricado, assacado por um delinquente a serviço de sua empresa.

O TCU, no ano de 2018, a pedido de deputados, refez as cotas e concluiu, já em 2019, que essa dívida é inexistente, portanto a cobrança não é apenas um ato falho; constitui fraude. E crime contra o erário não prescreve, significando ainda a possibilidade de, no futuro, cobrar a suspensão e a reabertura de uma investigação criminal.

Em Betim, 35 associações e muitos dos seus habitantes estão se mobilizando em legítima defesa de seus serviços públicos, ameaçados por essa insana cobrança. Pense no prejuízo que isso significa para a cidade. Uma cirurgia eletiva, por exemplo, custa cerca de R$ 1.500. Temos cerca de 10 mil cirurgias para serem realizadas e, ainda, uma demanda de mais de 18 mil consultas especializadas. São 6.000 crianças abaixo de 6 anos sem atendimento em creches e mais de 60 mil habitantes dependendo do Bolsa Família. As estruturas viária, educacional e sanitária não recebem intervenções adequadas há mais de oito anos. A tudo isso, soma-se uma luta inglória para quitar outras dívidas herdadas que, juntas, acumulam R$ 1,5 bilhão. Há 20 anos não se construía na cidade uma unidade básica de saúde, um pronto-atendimento ou uma creche minimamente decente. 

Absurdo: R$ 480 milhões de restos a pagar de uma obra de 1982 que hoje está sendo completada, em seus 50% restantes, por R$ 6,9 milhões. Com a diferença seria possível realizar na avenida, em toda a sua extensão, o equivalente a 60 pontes iguais à que está sendo cobrada. Evidentemente, as contas não fecham. Como comprovado pelo TCU, a dívida não existia, pois não havia um só documento legalmente exigido que estivesse anexo à cobrança nem medições ou outras comprovações. Nada!

Além disso, outra auditoria levantou que, apesar do reconhecimento de dívida assinado em 1982 pelo então prefeito Osvaldo Franco (sem lastro algum), ela foi liquidada pelo também prefeito Newton Amaral (Bio), no apagar do governo de João Batista Figueiredo, no dia 8 de janeiro de 1985, sete dias antes da histórica vitória de Tancredo Neves. Surge, então, outra fraude monumental: o valor atualizado de R$ 5,7 milhões teve um acréscimo de outros R$ 29 milhões. Essa auditoria independente confirma e amplia a auditoria interna. Existe uma ação de devolução de indébito e denúncia criminal. A AG não tem nada a receber. Pelo contrário, tem muito a devolver.

Existem, inclusive, depoimentos de secretários municipais da época que atestam que as fraudes foram fabricadas com a conivência de infiltrados de sua empresa, nomeados pelo senhor em 1989, quando ainda presidia a AG. São pessoas colocadas dentro da prefeitura para ocupar cargos de secretário e assessor da Fazenda de Betim. Favores trocados em decorrência de ajudas de campanha dadas a Osvaldo Franco para conseguir se eleger prefeito. O testemunho do ex-secretário é devastador em relação ao fato de que a própria AG indicou o titular, o mesmo que gerou a documentação que, agora, serve de base para o pagamento da suposta dívida.

Seus advogados perderam a noção do que estão fazendo. Sonham com os honorários, mas deixarão em sua conta uma denúncia com provas cabais, que percorrerá a PGR, o Senado, a ONU ou onde o povo desalentado a levar.