Artes Cênicas

Entre a intolerância e o afeto 

Deborah Evelyn como Ellen, personagem de "Hora Amarela" que vive há meses em um porão para sovreviver à guerra | Foto: André Wanderley/Divulgação
PUBLICADO EM 28/03/15 - 03h00

Boicotes contra beijos gays em novelas. Quebra de laços de amizade e até violência física por conta de divergências políticas. Manifestações a favor de regimes que censuram e torturam. Xenofobia, racismo e fascismo latente. O que temos visto nos noticiários e nas redes sociais nos últimos tempos só têm contribuído para confirmar algo indesejável: o mundo anda intolerante.

 
“Por que não conseguimos conciliar? Coexistir? Por que não conseguimos aceitar as diferenças e entender que não existe só uma verdade?”. As inquietações são da atriz Deborah Evelyn, que protagoniza “Hora Amarela”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do dia 3 de abril (sexta) a 4 de maio, a preço popular (R$ 10).
 
Escrita pelo dramaturgo norte-americano Adam Rapp, a peça aborda a intolerância extrema que leva a confrontos militares e resulta na morte de milhares de pessoas. “Hora Amarela” foi inspirada na guerra civil da Síria e nos conflitos recentes no Egito e no restante do Oriente Médio. A montagem original “Through the Yellow Hour”, ambientada em Nova York, retrata um futuro incerto tomado pela insanidade.
 
Aliás, foi em Nova York que a atriz Mônica Torres assistiu “Hora Amarela” pela primeira vez e a recomendou para Deborah Evelyn. “Ela (Mônica) achou que seria o tipo de peça que eu gostaria de fazer, o que é verdade. Me deu o texto para ler quando eu estava acabando a temporada de ‘Deus da Carnificina’ e eu me apaixonei pela atualidade e crueza do texto”, conta Débora.
 
As duas, então, não pensaram duas vezes antes de convidar a diretora Monique Gardenberg, que em 2011 já havia montado outra peça do dramaturgo, “Inverno da Luz Vermelha”. Embora já estivesse familiarizada com seu texto, a diretora se sentiu desafiada na medida em que nunca havia feito algo com esse viés um pouco “ficção científica”, embora Deborah discorde dessa definição. “Acho a Monique uma diretora excepcional! Quando li o texto, achei que ela traria uma visão criativa, forte e feminina para a montagem”.
 
Para a versão brasileira, Monique se inspirou em obras como “O Paraíso Perdido” de John Milton, escrita em 1667, e autores contemporâneos como o turco Orphan Pamuk e o israelense Amós Oz.
 
Universal
A versão brasileira não se passa em nenhum lugar específico, conferindo um caráter ainda mais especial para as provocações do autor do texto. “Quando olhamos para o mundo atual, vemos tantos lugares ainda em guerra, tantos radicais ainda tomando medidas extremas... Acho inacreditável que o ser humano ainda acredite que a guerra é uma solução para conflitos. Estamos no século XXI, progredimos em tantas áreas, mas ainda guerreamos como no início da existência do homem”, opina Deborah, que fez até aulas de luta para interpretar Ellen, uma personagem à procura do marido desaparecido em meio à guerra. 
 
Dentro da espécie de bunker que habita, Ellen se depara com outros fugitivos do caos e juntos, cada qual com sua história e cultura, tentando sobreviver sem perder a humanidade. São eles uma jovem viciada em drogas, vivida por Isabel Wilker; um professor que traz notícias do exterior, na pele de Michel Bercovicth; e um fugitivo sírio, papel de Daniel Infantini. 
 
Deborah tem se confrontado muito com a questão da intolerância na TV e no teatro. Depois de impressionar o telespectador por sua arrogância e mesquinharia na pele da socialite Eunice no folhetim global “Insensato Coração” (2011), ela vai na direção oposta. “Falamos muito sobre nos ensaios sobre como reagiríamos a uma situação como essa. É difícil saber, eu acho que seria como Ellen”, compara Deborah, cada vez mais se distanciando do seu outro papel.
 
“O Brasil, infelizmente, tem muitas ‘Eunices’. Mas eu acho sempre importante e rico que as pessoas se manifestem pacificamente e cobrem explicações dos nossos políticos. Estamos em uma democracia e precisamos aprender a lidar com ela”, alerta a atriz. 
 
Hora Amarela
CCBB (praça da Liberdade, 450, 3431-9446 e 3431-9447). De 3 de abril a 4 de maio (sexta a segunda-feira, às 20h). R$ 10 (inteira)