Cinema

Scarlett Johansson quebra tudo em ‘Lucy’, de Bresson

Scarlett Johansson é a estrela de "Lucy" | Foto: sony pictures/divulgação
PUBLICADO EM 29/08/14 - 11h25
“Lucy” sofre de um paradoxo engraçado. O filme segue uma protagonista que se torna capaz de acessar 100% da sua capacidade cerebral. Mas é realizado por pessoas que parecem não ter usado nem 5% da sua para escrever a história. E pede ao público que desligue totalmente o seu cérebro para entrar na brincadeira.
 
E brincadeira é a palavra central. “Lucy”, que estreia nos cinemas, não é um longa para ser levado a sério. É uma produção para quem quer ver Scarlett Johansson quebrando o pau e deixando um bando de marmanjo no chinelo, sem perder o sex appeal nem colocar em risco o decote milimetricamente calculado de sua camiseta branca.
 
A atriz é a Lucy do título, uma piriguete burra o bastante para se envolver com um traficante de drogas durante uma viagem a Taiwan. Quando ele bota a garota numa enrascada, ela acaba servindo de mula para uma nova droga sintética que explode em seu organismo e passa a acelerar sua atividade cerebral rumo aos 100% (você foi avisado no primeiro parágrafo que não foi gasto muito fosfato na elaboração da história).
 
O arco da transformação dessa loira gostosa marilynmonroeniana em uma mistura de La Femme Nikita com o Dr. Manhattan de “Watchmen” faz dos 30 minutos iniciais a melhor coisa do filme. Não que “Lucy” chegue a ser feminista. O longa não tem inteligência o bastante para isso. E o diretor francês Luc Besson não é nenhum Billy Wilder e nunca consegue realizar todo o potencial dessa subversão do arquétipo da loira burra que Johansson está disposta a encenar.
 
E a disposição da atriz é o que salva o filme. Nas cenas iniciais, ela usa todo o timing e a naturalidade cômica aprendidos nos seus tempos de musa de Woody Allen para, em seguida, substituí-los pela expressão semialienígena e superior de sua protagonista no recente “Sob a Pele”. E se você quer ver um longa que proponha discussões interessantes sobre uma mente diferenciada ou cognições sobrehumanas, procure este filme do diretor Jonathan Glazer, e não “Lucy”.
 
Porque, dentre as muitas e promissoras possibilidades de uma personagem capaz de explorar toda a potencialidade do cérebro humano, a produção não está interessada em nenhuma. A primeira cena logo após o incidente com a droga, em que Lucy invade uma sala de cirurgia, é até bem pensada, mas o conceito de “inteligência” do filme termina ali (o próprio Besson já admitiu que as premissas “científicas” do filme são todas furadas). 
 
Ação
 
E como é de praxe na produção cinematográfica atual, ele é substituído por superpoderes. O fato de que uma pessoa super-inteligente provavelmente teria outras alternativas mais efetivas e menos destrutivas que a violência para resolver seus problemas é ignorado porque esse é um filme de ação, e não uma série da TV a cabo. 
 
Em “Lucy”, acessar o cérebro significa que a protagonista consegue derrubar uma gangue inteira com um estalar de dedos, controla objetos, invade máquinas e muda a cor do cabelo instantaneamente. Ou seja, ela se torna um Superman com estrogênio. 
 
À parte o desperdício da premissa, quando isso acontece, o espectador começa a perder qualquer investimento no filme porque Lucy se torna invencível e nada pode detê-la. Contribui ainda o fato de que ela tem um plano para o seu conhecimento – que está, literalmente, todo dentro de sua mente – e, quando o público está prestes a entendê-lo e parece que alguma coisa vai acontecer, o longa acaba.
 
A melhor piada do longa é que esse plano envolve orientar um professor vivido por Morgan Freeman. E Lucy ter algo a ensinar ao ator, responsável por todos os velhos sábios do cinema contemporâneo, é a forma de Besson dizer que ela é realmente o ser mais inteligente do mundo. O problema é que ela é mais inteligente que seu filme, seu diretor e todo mundo que ela chamou para brincar.