“Tim Maia”

Touro indomável  e indecifrável 

Longa é mergulho abrangente mas sem profundidade na história do cantor

Juventude. Robson Nunes vive Tim antes da fama,quando tentou a ajuda dos amigos Erasmo e Roberto Carlos | Foto: downtown / divulgação
PUBLICADO EM 30/10/14 - 03h00

Tim Maia não era uma pessoa fácil. Seu grande perfeccionismo fazia com que ele não aturasse o mínimo problema de áudio em seus shows. Isso, quando o cantor comparecia a eles. Além disso, ele possuía uma raiva e uma agressividade dentro de si que podiam torná-lo um sujeito bastante intratável no convívio pessoal. Traços que, como todo grande artista, Tim conseguia transformar em combustível para algumas das canções mais icônicas da música brasileira.
 

O grande problema de “Tim Maia”, o filme, é não conseguir fazer o mesmo no cinema. O longa tem o mérito de não tentar transformar seu protagonista em uma figura mais palatável ou agradável para o público. Ao mesmo tempo, porém, ele nunca consegue responder de onde vinha toda essa energia que, ao mesmo tempo, movia e destruía o cantor. Ele quer contar tudo, mas acaba não respondendo nada.

O que a produção do diretor Mauro Lima faz é um mergulho horizontalmente abrangente, mas sem quase nenhuma verticalidade. Quase nunca vai além da superfície porque parece não saber qual pergunta está fazendo. O filme apresenta Tim como o Jake LaMotta de “Touro Indomável”, mas sem a mesma competência dramatúrgica para domá-lo.

O longa acompanha a trajetória do músico, desde a infância pobre na Tijuca até o estrelato e a morte precoce em 1998, aos 55 anos. Na adolescência e juventude, ele é interpretado por Robson Nunes (“2 Coelhos”); e no auge e decadência, é vivido por Babu Santana (“Cidade de Deus”).

Do negócio de marmita dos pais às primeiras apresentações no programa de Carlos Imperial na TV Tupi até a fase Racional, “Tim Maia” é daquelas cinebiografias que tenta compilar todos os melhores momentos de seu protagonista. Isso gera um primeiro ato excessivamente extenso, resultando num filme arrastado, que em nenhum momento encontra o ritmo ou o suingue das canções de Tim.

A viagem para os EUA, por exemplo, é completamente desnecessária. Não faz muita diferença no sucesso musical que o cantor viria a atingir e consome longos minutos da produção. E o demorado calvário de Tim em São Paulo antes da fama parece querer mais acusar Roberto e Erasmo Carlos de ignorarem o amigo de infância em necessidade do que em se aprofundar na persona do protagonista.

Isso vem muito do material que deu origem ao filme, “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia”. A biografia foi escrita em primeira pessoa por Nelson Motta, cuja voz no filme é emprestada a Fábio (Cauã Reymond), um músico que realmente existiu e tocou com Tim por muitos anos.

A atuação de Reymond é boa, mas o enorme problema é a narração em off. Transposta diretamente das páginas do livro, ela é carregada dos floreios e da verve literária afetada de Motta. Ela até pode funcionar bem na leitura, mas no longa acaba disputando a atenção com o próprio protagonista toda vez em que é usada – e são muitas vezes.

Esse é o sintoma de uma falha fatal de “Tim Maia”: os vários problemas narrativos desviando a atenção do que realmente interessa, a música. O diretor Mauro Lima nunca encontra formas criativas de inserir as canções na história. Elas acabam aparecendo em ensaios ou shows, mais para lembrar “ah é, ele escreveu essa música” do que realmente integradas à narrativa. E o romance envolvendo Janaína (Alinne Moraes) não tem o impacto emocional necessário porque o longa deixa claro que ela só fica com o cantor pelo sucesso dele.

Robson Nunes sofre com a parte mais repetitiva do filme, mas incorpora bem a revolta do cantor. E Babu Santana faz uma mistura de sua atitude carioca com uma personificação física de Tim que merecia uma dramaturgia melhor – como no clímax entre seu protagonista e Fábio. É essa atitude e essa personalidade que ele traz ao material o que Tim tinha de sobra e que faz muita falta no longa-metragem.